I
Segundo alguns liturgistas, as maiores novidades da
reforma litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II encontram-se na Liturgia
da Palavra. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia esclarece que seu objetivo
foi abrir mais largamente os tesouros bíblicos e preparar mais ricamente a mesa
da Palavra de Deus aos fiéis(SC 51/605). Antes, porém, de qualquer reflexão
sobre esta primeira parte missa, penso ser muito conveniente recordar o
ensinamento da Igreja sobre a Palavra de Deus em si mesma.
É de nossa fé que a Palavra de Deus
é a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o próprio Filho de Deus que,
juntamente com o Pai, criou tudo o que existe(Jo 1,3). A Palavra é viva e
eficaz. É como uma espada de dois gumes. Penetra até dividir a alma e o
espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições do coração. E não há
criatura oculta à sua presença. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos(Hb
4,12). Assim como a chuva não volta de novo ao céu em forma de nuvem, sem antes
ter fecundado a terra, tal ocorre com a Palavra que sai da boca de Deus, para
ele não retorna, sem antes ter cumprido a missão para qual foi enviada (Is
55,10-11).
Veneramos a Palavra de Deus com o
mesmo culto que prestamos à Eucaristia. Tanto a Eucaristia quanto a Palavra de
Deus são "pão da vida" distribuído aos fiéis na Sagrada Liturgia(DV
21/192). Este ensinamento vem dos primórdios da Igreja e é repetido por
diversos escritores antigos tais como Orígenes, S. Jerônimo e Cesário de Arles.
"Vocês, que estão acostumados a
participar do mistério divino, sabem, quando recebem o Corpo do Senhor,
protegê-lo com toda a cautela e veneração, para que não caia dele nenhuma
partícula, pois acreditam, e com razão, que são responsáveis se algum
pedacinho, por negligência, cair no chão. Mas, se estão certos em preservar com
tanto cuidado seu Corpo, porque acham que há menos culpa em negligenciar a
Palavra de Deus do que em negligenciar seu Corpo?" (Orígenes).
Deste dado de fé surgem, pelo menos,
três conseqüências pastorais:
1) Não se pode pôr a Palavra de Deus em folhas soltas e
deixá-las jogadas por aí. Como não se coloca a Eucaristia numa vasilha
qualquer, mas em vasos de material nobre(IGMR 329), da mesma forma é preciso
que a Palavra de Deus esteja em livros formosamente adornados(OLM 35-37).
2) A Palavra de Deus é uma só. Não existem palavras de
Deus. Por isso a mesa da Palavra também precisa ser uma só. As demais estantes
para uso do comentarista, do cantor ou do presidente devem ser distintas. Como
o altar, mesa do Pão, deve ser, o quanto possível fixo, de pedra ou de outro
material nobre, da mesma forma, convém que a mesa da Palavra seja de estrutura
estável e de material nobre. Da mesa da Palavra é proferida somente a Palavra
de Deus, ou seja, as leituras, o salmo e o evangelho. A homilia e a oração dos
fiéis também podem ser feitas da mesa da Palavra, mas por exceção.
3) A missão que os ministros da Palavra, diáconos,
leitores e salmistas, desempenham, exige deles uma boa preparação técnica e
espiritual. A preparação espiritual supõe dupla instrução: bíblica e litúrgica.
A preparação técnica capacita-os a expressar a Palavra com toda a sua força e
eficácia.
II
A Liturgia da Palavra na missa se constitui de duas
partes. A primeira é formada pelas leituras tiradas da Sagrada Escritura e
pelos cânticos que se intercalam. A segunda é como que o desenvolvimento e a
conclusão da primeira. Constitui-se da homilia, da profissão de fé e da oração
dos fiéis, também chamada oração universal.
Todos os comentaristas estão de
acordo que a proclamação de três leituras em língua vernácula, cada
domingo, e o estabelecimento de um ciclo
de três anos (A,B e C) foi uma das principais aquisições da reforma litúrgica
do Concílio Vaticano II. Em si, não foi uma total novidade, mas um resgate da
autêntica e primitiva tradição. Foi somente no século VI que a liturgia romana
adotou o esquema de apenas duas leituras. Nas liturgias orientais,
conservou-se, até nossos dias, um número maior de leituras. Na liturgia armênia
três, na copta quatro, na síria seis.
Segundo o Papa Paulo VI, tudo foi feito "para aumentar cada vez mais nos fiéis a fome
da Palavra de Deus que, sob a direção do Espírito Santo, deve levar o povo da
nova Aliança à perfeita unidade da Igreja. Por estas determinações esperamos
que tanto os sacerdotes como os fiéis venham a se preparar mais santamente para
Ceia do Senhor e, ao mesmo tempo, meditando de maneira mais profunda as
Sagradas Escrituras, se alimentem sempre mais com as palavras do Senhor".
(Const. Apost. Missale Romanum).
Diante disto, a Introdução ao
Lecionário da Missa afirma que não é permitido a supressão ou a abreviação das
leituras previstas, menos ainda a substituição delas por leituras não bíblicas,
"pois é desejo da Igreja que os fiéis disponham da mesa da palavra de Deus
ricamente servida" (Int. ao Lecionário , 83).
De fato, se um católico participar
diariamente da santa Missa terá ouvido quase toda a Sagrada Escritura num
período de três anos. Se sua participação for apenas aos domingos, num período
de três anos, terá escutado os quatro evangelhos por inteiro, nove décimo dos
escritos dos apóstolos e cerca de três a quatro décimos do Antigo Testamento.
Tudo isso é motivo de alegria. Mas,
como lembra o liturgista Theodor Schnitzler, "a dádiva gera obrigações: para o ouvinte da Palavra, a obrigação de
meditá-la, para o presidente da assembléia a obrigação de explicá-la sempre e
de novo". (Missa, mensagem de vida, ed. paulinas, 1978, p. 146).
III
“A leitura do Evangelho constitui o
ponto alto da liturgia da Palavra” (IGMR 60). As outras leituras, em certas
circunstâncias, podem até ser supressas. Nunca, porém, a leitura do
Evangelho(DMC 42). Esta “maior veneração” ou “honra especial” dada ao Evangelho
tem sua razão de ser. Nas outras leituras Deus nos fala através dos profetas ou
dos apóstolos. No Evangelho é o próprio Deus em pessoa que está falando.
“O Evangelho é a boca de Cristo. Ele
está sentado no céu, mas não cessa de falar aqui na terra. Não sejamos surdos,
porque ele clama bem alto...”(S. Agostinho).
“Ouçamos o Evangelho como se o
próprio Senhor estivesse diante de nós para nos falar... O Senhor que é a
verdade, está no alto, mas também está junto de nós” (S. Agostinho).
“Lê-se o Evangelho, no qual Cristo
fala ao povo pela sua boca” (Amalário de Metz).
Por isso, desde os primórdios a
liturgia solenizou a proclamação do Evangelho com uma série de gestos e ritos.
Não era lido por um simples leitor, mas pelo diácono ou pelo presbítero. Em
algumas ocasiões pelo próprio bispo
“Um presbítero ou um diácono lerá os
Evangelhos” (Const. Apost., doc. do séc. IV).
“No sétimo dia, isto é, no domingo,
antes do cantar dos galos, reúne-se, ..., a maior multidão possível na basílica
situada junto à Anastasis... Então, o bispo de pé, além do gradil, toma o
Evangelho, aproxima-se da porta e lê, ele mesmo, a Ressurreição do Senhor”
(Peregrinação de Etéria).
O Missal Romano orienta que o
ministro se prepare com uma breve oração para realizar esta leitura. Se for o
próprio padre que está presidindo, a oração é esta: “Ó Deus todo-poderoso,
purificai-me o coração e os lábios, para que eu anuncie dignamente o vosso
santo Evangelho”. Se for o diácono, ou um dos concelebrantes, no caso de não
haver diácono, a oração é assim: Diácono: “Dá-me tua bênção”. Presidente: “O
Senhor esteja em teu coração e em teus lábios para que possas anunciar
dignamente o seu Evangelho: em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
Diácono: Amém”.
As duas orações são acompanhadas de
uma inclinação. O presidente, diante do altar, o diácono, diante do presidente.
A inclinação indica humildade. Esta deve ser a atitude de quem proclama uma
palavra que não é sua, mas do Senhor. Além do mais, como se pode ver, o pedido
é que a Palavra esteja antes no coração e depois nos lábios, pois o Senhor nos
orienta que, em primeiro lugar, sejamos suas testemunhas (At 1,8) e somente
depois, seus anunciadores(Mt 28,18-20). Esta consciência aparece também na
ordenação diaconal quando o bispo entrega ao ordenado os livros dos Evangelhos
e diz: “Recebe o Evangelho de Cristo, do qual foste constituído mensageiro;
transforma em fé viva o que leres, ensina aquilo que creres e procura realizar
o que ensinares.” (PR 238).
Terminada a leitura, o ministro
beija o livro e diz: “Pelas palavras do santo Evangelho sejam perdoados os
nossos pecados”. Além do respeito
expresso pelo beijo, este rito manifesta que a Igreja crê que anúncio do Evangelho
é anúncio de perdão e anúncio de perdão é anúncio do Evangelho. De fato, a
Palavra de Deus é como o fogo (Jr 23, 29), tal como brasa ardente toca nossos
lábios e perdoa nossos pecados (Is 6, 7).
IV
Para manter a diferença entre a
proclamação do Evangelho das demais leituras, a liturgia, tanto do oriente,
quanto do ocidente, ideou um livro especial - o Evangeliário - que passou a ser
objeto de inúmeros gestos de veneração.
1) Deve ser cuidadosa e formosamente adornado (OLM 36).
Na antigüidade, com freqüência, era escrito com letras de ouro ou prata, num
fundo de púrpura e decorado com miniaturas. A capa era de marfim, ouro puro ou
prata.
2) Na entrada é levado na frente pelo diácono ou pelo
leitor que o deposita respeitosamente sobre o altar, lembrando que, na missa,
liturgia da Palavra e liturgia eucarística são dois momentos da mesma e única
celebração.
3) Após as duas leituras feitas de um lecionário comum,
faz-se uma segunda procissão. O diácono o toma do altar e, segurando-o um pouco
elevado, se dirige ao ambão, precedido do turiferário com o turíbulo fumegante
e dos ministros com velas acesas. O costume de acompanhar o Evangeliário com
velas é muito antigo. São Jerônimo o atesta em seu livro Contra Vigilâncio. "Em todas as Igrejas do Oriente acendem-se
luzes ao Evangelho em sinal de alegria. O Evangelho é cantado no meio de luzes,
não para afugentar as trevas, mas como sinal de alegria".
4) Em algumas celebrações pode ser incensado. O incenso,
como se sabe, só se usa em honra a Deus e a Cristo. Incensa-se o altar porque é
símbolo de Cristo. Incensa-se o presidente da celebração porque age "in
persona Christi". Incensa-se a assembléia porque Cristo sempre está onde
dois ou mais estiverem reunidos em seu nome. Incensa-se o Evangeliário porque
no Evangelho é o próprio Cristo que fala.
5) Durante a procissão canta-se o Aleluia ou outro canto
conforme o tempo litúrgico. Enzo Lodi, comentando este gesto, afirma que sua
"finalidade é fazer os fiéis passarem do estado de simples ouvintes ao de
discípulos que acolhem o Senhor e lhe fazem festa".
6) Ao iniciar a proclamação do texto o diácono e a
assembléia fazem o tríplice sinal da cruz. Segundo Pius Parsch, este sinal
lembra que Cristo, o crucificado nos fala, e nós queremos receber a doutrina da
Cruz. Para J. Aldazabal, o gesto expressa o desejo de que a Palavra penetre em
nossas pessoas e ilumine nossos pensamentos, nossas palavras e nossos atos.
7) Enquanto se proclama o Evangelho todos estão de pé,
voltados para quem o lê. Este é mais um sinal de respeito e expressa a atitude
interior de abertura total a Cristo que vai falar como autêntico Mestre.
V
Depois do Evangelho que é o seu
ponto alto, as demais leituras constituem a parte mais importante da Liturgia
da Palavra. Não podem ser omitidas por qualquer motivo, nem podem ser
reduzidas. Não podem ser substituídas por paráfrases bíblicas, menos ainda, por
leituras não bíblicas (OLM 12). A única exceção registrada na história a este
respeito refere-se à leitura das atas dos mártires, atestada por Apolônio, no
século II, e confirmada pelo Concílio de Cartago, no século IV. Nas missas com
crianças, tendo em conta a sua inteligência, pode-se omitir um ou outro
versículo. Pede-se, no entanto, muita precaução para que não se altere o
sentido do texto ou o seu espírito (DMC 43).
Antes da reforma prescrita pelo
Concílio Vaticano II, eram apenas duas as leituras da Liturgia da Palavra: a
das Cartas e a do Evangelho. Com a reforma se resgatou, nas missas de domingo,
o costume antigo, ou seja, cada missa apresenta três leituras: a primeira do
Antigo Testamento; a segunda, do Apóstolo, isto é, das Cartas, dos Atos dos
Apóstolos ou do Apocalipse, segundo os diversos tempos do ano; e a terceira, do
Evangelho. Esta distribuição tem a intenção de pôr em “evidência a unidade dos
dois Testamentos e da história da salvação, cujo centro é Cristo celebrado no
seu mistério pascal” (OLM 66).
Por motivos
pastorais sérios, pode-se omitir uma das duas primeiras leituras, sem se
desvirtuar “a intenção de instruir plenamente os fiéis sobre o mistério da
salvação” (OLM 79). A que mais harmonicamente se relacionar com o Evangelho, ou
que melhor contribuir com uma catequese orgânica seguida durante certo período
de tempo deve ser a preferida. “Por exemplo, no Tempo da Quaresma, propõe-se
uma continuidade de leituras do Antigo Testamento, segundo a evolução da
história da salvação; ou, nos domingos do Tempo Comum, propõe-se a leitura
semi-contínua de alguma Carta. Neste caso, convém que o pastor de almas escolha
uma ou outra das leituras de maneira sistemática durante vários domingos
seguidos, a fim de estabelecer um sistema coerente de catequese; nem seria, de
modo nenhum, conveniente que, sem nexo, se fizesse a leitura ora do Antigo
Testamento ora de uma Carta, sem um seguimento orgânico dos textos” (OLM, nota
106).
A leitura dos textos, na Liturgia da Palavra, não é
função presidencial, mas sim ministerial (IGMR 59).
Por isso deve ser feita por leitores, instituídos ou não. As mulheres também
podem proclamar a Palavra de Deus na Missa, mesmo que, para tanto, não lhes é
facultada a instituição.
Como se pode ver pela orientação do
Magistério da Igreja, o leitor e a leitora não são simples ajudantes do padre
que está presidindo a Missa, mas exercem um verdadeiro ministério que deve ser
assumido “ainda que haja ministros de grau superior” (OLM 51).
Justamente por ser um ministério, o
leitor e a leitora precisam ser pessoas idôneas e cuidadosamente preparadas.
“Esta preparação deve ser principalmente espiritual, mas é necessária a chamada
preparação técnica. A preparação espiritual pressupõe pelo menos a dupla
formação, bíblica e litúrgica: a formação bíblica, para que possam os leitores
compreender as leituras, no seu contexto próprio e entender à luz da fé o
núcleo da mensagem revelada; a formação litúrgica, para que os leitores possam
perceber o sentido e a estrutura da Liturgia da Palavra e os motivos que explicam a conexão entre a Liturgia da Palavra e a
Liturgia eucarística. A preparação técnica deve tornar os leitores cada vez
mais aptos na arte de ler em público, quer de viva voz, quer com a ajuda dos
modernos instrumentos de ampliação sonora” (OLM 55).
VI
O Concílio Vaticano II pede que se restaure, se
parecer oportuno ou necessário, sempre segundo a tradição dos Santos Padres,
alguns ritos que, por acaso, tenham desaparecido com o tempo (SC 50). O Salmo
responsorial, há treze séculos desaparecido, foi um desses elementos
recuperados pela reforma litúrgica.
Foi um dos cantos mais antigos da celebração
eucarística, testemunhado por Santo Agostinho, São João Crisóstomo, Santo
Ambrósio e São Leão Magno. Suas homilias, com freqüência, se inspiravam no
Salmo cantado pelo salmista.
“O salmo que há pouco ouvimos cantar e ao qual
respondemos cantando é breve mas muito útil...
Não podereis experimentar a verdade do que acabais de
cantar, se não começardes a vivê-la... Começai por agir, e compreendereis do
que falamos. Então, a cada palavra correrão as vossas lágrimas; então,
cantareis verdadeiramente este salmo. Há muitos que cantam com a boca e ficam
mudos no coração. Muitos outros não mexem os lábios, mas clamam com o afeto. Os
ouvidos de Deus estão atentos ao coração do homem. Tal como o ouvido do corpo é
feito para a boca do homem, assim o coração do homem é feito para a boca de
Deus. Muitos, de boca fechada, são atendidos, e muitos, com grandes clamores,
não o são...” (S.Agostinho, Com. ao Salmo,
119,1 e 9).
“Não vás pensar que entraste aqui unicamente para
dizer palavras, mas antes para que, quando respondes ao salmo, compreendas que
ficas ligado por este refrão. Quando cantas Como
o servo anseia pelas águas vivas, assim minha alma anseia por Vós, Senhor, fazes
um pacto com Deus. Assinas um recibo, sem papel nem tinta; confessas com a tua
voz que O amas acima de tudo, que não pões nada antes dEle e que ardes de amor
por Ele...
Por isso, não entremos aqui de qualquer maneira nem
cantemos refrões por rotina, como coisa já sabida, mas sirvamo-nos deles como
bastão de viagem. Um só versículo é capaz de nos ensinar muita sabedoria...
Os refrões dos salmos que cantaste não apenas uma vez,
nem duas, nem três, mas muitas vezes, recorda-os com interesse, pois neles
encontrarás grande consolação...
Exorto-vos, por isso, a não sair daqui de mãos vazias,
mas a recolher os refrões como se fossem pérolas, para os guardar sempre
convosco, para os meditar, para os cantar todos aos vossos amigos e às vossas
esposas. E, se a agitação te invadir a alma, se a cupidez, a cólera ou qualquer
outra paixão perturbar o teu espírito, canta-os com assiduidade. É desse modo
que gozaremos de uma grande paz nesta vida e que obteremos, na outra, os bens
eternos, pela graça e o amor de nosso Senhor Jesus Cristo”. (S.João Crisóstomo,
Com. ao Salmo 41).
Infelizmente,
até o momento, o Salmo responsorial não tem sido bem entendido. Com freqüência
é substituído por outro canto. As próprias orientações litúrgicas fazem esta
concessão (DMC 46; OLM 56) que, no entanto, deve ser considerada altamente
provisória e totalmente inconveniente. Trata-se de um convite à assembléia para
responder “espiritualmente” à Palavra de Deus que acaba de ser proclamada. À
Palavra de Deus só se responde dignamente com a Palavra de Deus. Por isso, o
Salmo responsorial deve ser sempre um salmo ou um cântico do Antigo ou do Novo
Testamento.
O Salmo responsorial é cantado ou recitado pelo
salmista e não pelo leitor (OLM 22). Mesmo que as orientações litúrgicas permitam
outro posicionamento (IGMR 61), o lugar mais
adequado para cantá-lo é o ambão (OLM 22), pois se trata da Palavra de Deus.
Existem dois modos de cantar ou recitar este Salmo: o responsorial que, como o
próprio nome sugere, deve ser o preferido; e o direto. No modo responsorial o
salmista canta ou recita os versículos e a assembléia o refrão. No modo direto
não existe refrão. É cantado ou recitado só pelo salmista ou por toda a
assembléia.
Devido à sua importância, as orientações litúrgicas
pedem que haja “em cada comunidade eclesial leigos competentes na arte de
salmodiar e dotados de pronúncia correta e dicção perfeita” (OLM 56).
VII
Além do Salmo responsorial,
encontram-se na Liturgia da Palavra mais dois cantos: a aclamação ao Evangelho e a seqüência.
A aclamação ao Evangelho é um canto muito antigo. Um texto apócrifo,
escrito entre o IV e o V séculos, intitulado Martírio de Mateus, faz a seguinte recomendação: "salmodiai o Aleluia e lede o Evangelho". Como
lembra a Instrução Geral do Missal Romano, este canto "constitui um rito
ou ação por si mesma, através do qual a assembléia dos fiéis acolhe o Senhor
que lhe vai falar no Evangelho [...]. É cantado por todos, de pé [...], o
versículo, porém, é cantado pelo grupo de cantores ou cantor"(IGMR 62).
Chama-se também Aleluia, porque seu
refrão, exceto na Quaresma, se compõe de um ou mais aleluias. "No tempo da
Quaresma, no lugar do Aleluia,
canta-se o versículo antes do Evangelho proposto no lecionário. Pode-se também
cantar um segundo salmo ou trato, como se encontra no Gradual"(IGMR 62 b).
Canta-se a aclamação ao Evangelho
também quando se faz apenas uma leitura. Deve ser sempre cantada, se não, pode
ser omitida (IGMR 63,c).
A aclamação ao Evangelho é um canto breve. Não pode ser substituída
por um canto longo em que o Aleluia
aparece apenas como apêndice. Às vezes, nem como apêndice. Por exemplo:
"Fala Senhor pela Bíblia", ou "Buscai primeiro o Reino de
Deus", para citar apenas dois.
"Uma aclamação
ao Evangelho que se preze deve ter ritmo vigoroso e melodia brilhante. O
clima geral será de expectativa, de prontidão, pois o Senhor nos vai falar.
Para que isso aconteça, os instrumentos musicais, assim como as vozes da
assembléia, devem ressoar com o máximo de eloqüência" (Frei J. Fonseca, Cantando a missa e o ofício divino, p. 32).
A seqüência nasceu no século IX e deve sua origem ao costume de
prolongar o último "a" do aleluia
com uma série de notas expressando intenso gozo. Mais tarde, um monge de São
Galo, chamado Notgero Balbulo, compôs para aquelas melodias uma série de textos
que, com o tempo, foram se aperfeiçoando e se popularizando. No norte da
Europa, para cada festa se compôs uma seqüência.
Na Itália, no entanto, e, particularmente, em Roma, a acolhida foi menos calorosa.
Certamente por isso, na reforma de Pio V, prevista pelo Concílio de Trento, as seqüências se reduziram a quatro apenas:
a da Páscoa (Cantai, cristãos, afinal: "Salve, ó vítima pascal"), a
de Pentecostes (Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz!), a de Corpus
Christi (Terra exulta de alegria. Louva teu pastor e guia) e a do Dia de
Finados (Dia de ira, aquele dia). No século XVIII, o Papa Bento XIII determinou
que na festa de N. Sra. das Dores fosse cantada a seqüência "Estava a Mãe Dolorosa". O Missal de Paulo VI
conservou estas cinco seqüências. Três
em caráter facultativo e duas, a de
Páscoa e a de Pentecostes, em caráter obrigatório. Contrariando sua origem,
prescreve-se que a seqüência seja
cantada antes do Aleluia.
VIII
Como parte da ação litúrgica a homilia explana e
desenvolve as leituras feitas durante a Liturgia da Palavra (IGMR 55). Nela se
expõe o mistério de Cristo no aqui e agora da comunidade. Partindo dos textos
sagrados, relaciona-os com o sacramento e aplica-os à vida concreta (Puebla
930). A homilia tem como objetivo conduzir os fiéis a uma compreensão saborosa
da Sagrada Escritura, abrindo-lhes a alma à ação de graças pelas maravilhas de
Deus e levando-os a praticar as exigências da vida cristã (ILM 41).
Os documentos da Igreja pedem grande atenção à
homilia. Orientam para que não seja nem muito longa, nem muito breve.
Prescrevem que a realidade dos ouvintes não seja esquecida e que haja muito
zelo em sua preparação. Tenha conteúdo substancioso, fruto de conscienciosa
meditação.
Os mesmos documentos determinam que se façam homilias
nas celebrações de todos os domingos e festas. Somente uma grave causa, permite
sua omissão. Aconselham que as homilias sejam também proferidas nos dias de
semana do Advento, da Quaresma, do Tempo Pascal e em outras celebrações, tais
como batismo, liturgias penitenciais, matrimônio, unção dos enfermos, liturgia
das horas, bênçãos de pessoas e objetos, comunhão fora da missa, exposição e
bênção eucarística e funerais. Com relação aos funerais, chamam a atenção para
que se evite todo tipo de "elogio fúnebre", ou seja, qualquer tipo de
retórica e louvação às virtudes do defunto.
Os documentos orientam ainda que a homilia deve ser
proferida pelo presidente da celebração, ou por um presbítero concelebrante,
ocasionalmente por um diácono, (IGMR 66). Os leigos nunca podem proferir a
homilia, exceto nas missas com crianças, se o padre tiver dificuldade de se
adaptar à mentalidade e à linguagem das crianças (DMC 24).
A homilia tem sua origem no tempo da Sinagoga em que a
leitura da Torá era seguida de um comentário. Na Sinagoga de Nazaré, em uma
homilia, Jesus afirmou que o texto de Isaías, apenas lido, estava se realizando
naquela dia (Lc 4,21). Nas celebrações dos primeiros cristãos, logo que o
leitor terminava de ler as Memórias dos apóstolos, o presidente fazia uma
exortação e convidava os irmãos a imitar aqueles belos exemplos (Justino, I
Apol., 67).
Com o tempo, principalmente, na Idade Média, as
pregações dos mendicantes, nas missões populares, transformaram a homília em
sermão, expulsando-a do seu "habitat" litúrgico. Com Concílio
Vaticano II, a homilia voltou a ser o que era: "parte da liturgia".
Segundo o Papa Paulo VI, depois de tanto esforço,
seria um erro, não ver na homilia um instrumento valioso e muito adaptado para
a evangelização (EM 43). Dom Oscar Romero, seguiu à risca esta orientação.
Estruturadas no tripé: texto bíblico, contexto sócio-eclesial e relação
litúrgico-vital, as homilias de Dom Romero foram ouvidas não apenas pelos fiéis
que lotavam a catedral cada domingo, mas também pela multidão que se
acotovelava nos quarteirões circunvizinhos ao templo e pelos milhares de
ouvintes da rádio da Arquidiocese.
IX
Nos domingos, solenidades e
celebrações especiais o padre termina a homilia convidando a assembléia para
recitar o "creio" ou "símbolo", também chamado
"profissão de fé". Segundo a Instrução Geral do Missal Romano o
"creio" é muito útil para manifestar e fomentar a participação ativa
dos fiéis (36). Por ele o povo faz sua adesão à palavra de Deus (55) anunciada
da sagrada Escritura e explicada pela homilia, e também recorda e professa os
grandes mistérios da fé, antes de iniciar sua celebração na Eucaristia (67).
Pode ser cantado ou recitado, sempre de pé (43). Quando cantado pode ser
entoado pelo padre, pelo cantor ou grupo de cantores. É cantado por todo o povo
junto ou alternado com o grupo de cantores. Para facilitar a participação no
canto o Diretório para Missas com
Crianças permite adotar composições musicais apropriadas com versões
populares aceitas pela autoridade competente, ainda que literalmente não
estejam de acordo com o texto litúrgico (DMC 31). Se for recitado, pode ser por
todo o povo junto ou alternado em dois coros, por exemplo, lado A e lado B
(68). Ao pronunciar as palavras "e
se encarnou pelo Espírito Santo" todos se inclinam profundamente. Nas
solenidades da Anunciação do Senhor e do Natal todos se ajoelham (137). Nas
celebrações com assembléias compostas de pessoas de diversas nacionalidades é
bom que seja cantado em latim com melodias mais simples (41). O texto preferido
é o do símbolo niceno-constantinopolitano, mas é também permitido o símbolo
apostólico (MR 15 e DMC 49). O Diretório
para Missa com Grupos Populares prevê também a profissão de fé em forma de
perguntas e respostas, à semelhança do que ocorre no rito do batismo e na
vigília pascal (DMGP 3.2.9).
No início, o "creio" não
fazia parte da missa. Era um rito próprio do batismo. Por isso é recitado na
primeira pessoa do singular. A partir de 515, o patriarca Timóteo de
Constantinopla introduziu o uso de recitá-lo em todas as missas após a homilia.
Com esta determinação pretendia demonstrar sua ortodoxia, pois fora acusado de
ser adepto da heresia monofisita. Ainda no século VI, o costume se espalhou
para o ocidente, a começar da Espanha, a fim de combater o arianismo. Neste
caso, não após a homilia, mas antes do Pai-Nosso. Mais tarde, deixou de ser
obrigatório para todas as missas. Em 1014, por exemplo, quando passou a ser
recitado em Roma, o Papa Bento VIII determinou que fosse apenas nos domingos e
nas festas dos mistérios mencionados em seu texto. Finalmente em 1970, o Papa
Paulo VI estabeleceu as normas que estão em vigor, ou seja, canta-se ou
recita-se o "creio" nas missas dos domingos, das solenidades e das
celebrações especiais. No início o "creio" era recitado somente pelo
povo. Em algumas
Igrejas não se permitia nem mesmo a recitação alternada,
porque "todos deviam fazer a profissão de todos os artigos da fé". A
partir do século X passou a ser cantado pelo clero. Com o predomínio da música
polifônica o "creio" deixa de ser uma oração do povo e se converte na
parte musical mais brilhante do ordinário da missa, executado pelo coral
(schola cantorum). Hoje, como já vimos, voltou a ser uma oração com a
participação de toda a assembléia.
X
Encerra-se a liturgia da Palavra com
a Oração dos Fiéis. É uma das pérolas litúrgicas restauradas pelo Concílio
Vaticano II. Testemunhos dos Santos Padres e da própria liturgia nos confirmam
que até o século V fazia-se a Oração dos Fiéis após a homilia. Em Roma, depois
do Papa Gelásio (492-496) ninguém mais fala dela. Nos livros litúrgicos é
recordada apenas na sexta feira santa.
O texto do Concílio que determina a sua volta chama-a
de oração comum ou dos fiéis(SC 53),
no entanto, o Missal Romano, com informações históricas mais precisas, modifica
a terminologia e fala de oração universal
ou dos fiéis(MR 16 e IGMR 69). De fato esta última expressão exprime melhor
a sua natureza, inspirada em textos bíblicos e patrísticos.
"Em primeiro lugar, recomendo que se ofereçam
súplicas, pedidos, intercessões e ações de graças por todas as pessoas,
especialmente pelos reis e autoridades, para que possamos viver tranqüilos e
serenos com toda a piedade e dignidade. Isso é bom e agradável a Deus nosso
salvador"(1Tm 2,1-4).
"Rezai por todos os santos. Rezai também pelos
reis, autoridades e príncipes, pelos que vos perseguem e vos odeiam, pelos
inimigos da cruz. Desse modo, o vosso fruto será manifesto em todos, e vós
sereis perfeitos nele"(S. Policarpo, Carta aos Filipenses, 14,3).
Segundo a Instrução Geral do Missal Romano, nesta
oração, o povo, exercendo a sua função sacerdotal "responde de certo modo
à Palavra de Deus acolhida na fé", elevando preces a Deus pela salvação de
todos (IGMR 69). A mesma Instrução orienta que seja feita em todas as missas
onde houver participação do povo. O que preside, de sua cadeira, introduz e
conclui a oração. As intenções são feitas do ambão ou de outro lugar
apropriado, pelo diácono, pelo cantor, pelo leitor ou por um outro fiel leigo.
O povo participa da oração com uma invocação comum, após cada intenção, ou com
uma oração silenciosa(IGMR 71).
Como se pode ver, a Oração dos Fiéis tem as seguintes
características:
1) É uma súplica
ou invocação a Deus. Sua finalidade
portanto, não é, em primeiro lugar, exprimir adoração, ação de graças, ou
louvor a algum santo ou santa. Muito menos ser momento de pregação ou catequese.
2) Pede a Deus
sobretudo benefícios universais,
ainda que, em celebrações especiais, como Confirmação, Matrimônio, Exéquias,
pode-se pedir pelo fiéis ali reunidos.
3) É oração dos
fiéis. Sãos os fiéis que formulam os
pedidos. O ministro que preside apenas introduz (sempre dirigindo-se ao povo,
nunca a Deus) e conclui a oração.