3 Liturgia da Palavra

I

Segundo alguns liturgistas, as maiores novidades da reforma litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II encontram-se na Liturgia da Palavra. A Constituição sobre a Sagrada Liturgia esclarece que seu objetivo foi abrir mais largamente os tesouros bíblicos e preparar mais ricamente a mesa da Palavra de Deus aos fiéis(SC 51/605). Antes, porém, de qualquer reflexão sobre esta primeira parte missa, penso ser muito conveniente recordar o ensinamento da Igreja sobre a Palavra de Deus em si mesma.
            É de nossa fé que a Palavra de Deus é a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o próprio Filho de Deus que, juntamente com o Pai, criou tudo o que existe(Jo 1,3). A Palavra é viva e eficaz. É como uma espada de dois gumes. Penetra até dividir a alma e o espírito, junturas e medulas. Ela julga as disposições do coração. E não há criatura oculta à sua presença. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos(Hb 4,12). Assim como a chuva não volta de novo ao céu em forma de nuvem, sem antes ter fecundado a terra, tal ocorre com a Palavra que sai da boca de Deus, para ele não retorna, sem antes ter cumprido a missão para qual foi enviada (Is 55,10-11).
            Veneramos a Palavra de Deus com o mesmo culto que prestamos à Eucaristia. Tanto a Eucaristia quanto a Palavra de Deus são "pão da vida" distribuído aos fiéis na Sagrada Liturgia(DV 21/192). Este ensinamento vem dos primórdios da Igreja e é repetido por diversos escritores antigos tais como Orígenes, S. Jerônimo e Cesário de Arles.
            "Vocês, que estão acostumados a participar do mistério divino, sabem, quando recebem o Corpo do Senhor, protegê-lo com toda a cautela e veneração, para que não caia dele nenhuma partícula, pois acreditam, e com razão, que são responsáveis se algum pedacinho, por negligência, cair no chão. Mas, se estão certos em preservar com tanto cuidado seu Corpo, porque acham que há menos culpa em negligenciar a Palavra de Deus do que em negligenciar seu Corpo?" (Orígenes).
            Deste dado de fé surgem, pelo menos, três conseqüências pastorais:
1)      Não se pode pôr a Palavra de Deus em folhas soltas e deixá-las jogadas por aí. Como não se coloca a Eucaristia numa vasilha qualquer, mas em vasos de material nobre(IGMR 329), da mesma forma é preciso que a Palavra de Deus esteja em livros formosamente adornados(OLM 35-37).
2)      A Palavra de Deus é uma só. Não existem palavras de Deus. Por isso a mesa da Palavra também precisa ser uma só. As demais estantes para uso do comentarista, do cantor ou do presidente devem ser distintas. Como o altar, mesa do Pão, deve ser, o quanto possível fixo, de pedra ou de outro material nobre, da mesma forma, convém que a mesa da Palavra seja de estrutura estável e de material nobre. Da mesa da Palavra é proferida somente a Palavra de Deus, ou seja, as leituras, o salmo e o evangelho. A homilia e a oração dos fiéis também podem ser feitas da mesa da Palavra, mas por exceção.
3)      A missão que os ministros da Palavra, diáconos, leitores e salmistas, desempenham, exige deles uma boa preparação técnica e espiritual. A preparação espiritual supõe dupla instrução: bíblica e litúrgica. A preparação técnica capacita-os a expressar a Palavra com toda a sua força e eficácia.


II

            A Liturgia da Palavra na missa se constitui de duas partes. A primeira é formada pelas leituras tiradas da Sagrada Escritura e pelos cânticos que se intercalam. A segunda é como que o desenvolvimento e a conclusão da primeira. Constitui-se da homilia, da profissão de fé e da oração dos fiéis, também chamada oração universal.
            Todos os comentaristas estão de acordo que a proclamação de três leituras em língua vernácula, cada domingo,  e o estabelecimento de um ciclo de três anos (A,B e C) foi uma das principais aquisições da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Em si, não foi uma total novidade, mas um resgate da autêntica e primitiva tradição. Foi somente no século VI que a liturgia romana adotou o esquema de apenas duas leituras. Nas liturgias orientais, conservou-se, até nossos dias, um número maior de leituras. Na liturgia armênia três, na copta quatro, na síria seis.
Segundo o Papa Paulo VI, tudo foi feito "para aumentar cada vez mais nos fiéis a fome da Palavra de Deus que, sob a direção do Espírito Santo, deve levar o povo da nova Aliança à perfeita unidade da Igreja. Por estas determinações esperamos que tanto os sacerdotes como os fiéis venham a se preparar mais santamente para Ceia do Senhor e, ao mesmo tempo, meditando de maneira mais profunda as Sagradas Escrituras, se alimentem sempre mais com as palavras do Senhor". (Const. Apost. Missale Romanum).
            Diante disto, a Introdução ao Lecionário da Missa afirma que não é permitido a supressão ou a abreviação das leituras previstas, menos ainda a substituição delas por leituras não bíblicas, "pois é desejo da Igreja que os fiéis disponham da mesa da palavra de Deus ricamente servida" (Int. ao Lecionário , 83).
            De fato, se um católico participar diariamente da santa Missa terá ouvido quase toda a Sagrada Escritura num período de três anos. Se sua participação for apenas aos domingos, num período de três anos, terá escutado os quatro evangelhos por inteiro, nove décimo dos escritos dos apóstolos e cerca de três a quatro décimos do Antigo Testamento.
            Tudo isso é motivo de alegria. Mas, como lembra o liturgista Theodor Schnitzler, "a dádiva gera obrigações: para o ouvinte da Palavra, a obrigação de meditá-la, para o presidente da assembléia a obrigação de explicá-la sempre e de novo". (Missa, mensagem de vida, ed. paulinas, 1978, p. 146).


III

            “A leitura do Evangelho constitui o ponto alto da liturgia da Palavra” (IGMR 60). As outras leituras, em certas circunstâncias, podem até ser supressas. Nunca, porém, a leitura do Evangelho(DMC 42). Esta “maior veneração” ou “honra especial” dada ao Evangelho tem sua razão de ser. Nas outras leituras Deus nos fala através dos profetas ou dos apóstolos. No Evangelho é o próprio Deus em pessoa que está falando.
            “O Evangelho é a boca de Cristo. Ele está sentado no céu, mas não cessa de falar aqui na terra. Não sejamos surdos, porque ele clama bem alto...”(S. Agostinho).
            “Ouçamos o Evangelho como se o próprio Senhor estivesse diante de nós para nos falar... O Senhor que é a verdade, está no alto, mas também está junto de nós” (S. Agostinho).
            “Lê-se o Evangelho, no qual Cristo fala ao povo pela sua boca” (Amalário de Metz).
            Por isso, desde os primórdios a liturgia solenizou a proclamação do Evangelho com uma série de gestos e ritos. Não era lido por um simples leitor, mas pelo diácono ou pelo presbítero. Em algumas ocasiões pelo próprio bispo
            “Um presbítero ou um diácono lerá os Evangelhos” (Const. Apost., doc. do séc. IV).
            “No sétimo dia, isto é, no domingo, antes do cantar dos galos, reúne-se, ..., a maior multidão possível na basílica situada junto à Anastasis... Então, o bispo de pé, além do gradil, toma o Evangelho, aproxima-se da porta e lê, ele mesmo, a Ressurreição do Senhor” (Peregrinação de Etéria).
            O Missal Romano orienta que o ministro se prepare com uma breve oração para realizar esta leitura. Se for o próprio padre que está presidindo, a oração é esta: “Ó Deus todo-poderoso, purificai-me o coração e os lábios, para que eu anuncie dignamente o vosso santo Evangelho”. Se for o diácono, ou um dos concelebrantes, no caso de não haver diácono, a oração é assim: Diácono: “Dá-me tua bênção”. Presidente: “O Senhor esteja em teu coração e em teus lábios para que possas anunciar dignamente o seu Evangelho: em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Diácono: Amém”.
            As duas orações são acompanhadas de uma inclinação. O presidente, diante do altar, o diácono, diante do presidente. A inclinação indica humildade. Esta deve ser a atitude de quem proclama uma palavra que não é sua, mas do Senhor. Além do mais, como se pode ver, o pedido é que a Palavra esteja antes no coração e depois nos lábios, pois o Senhor nos orienta que, em primeiro lugar, sejamos suas testemunhas (At 1,8) e somente depois, seus anunciadores(Mt 28,18-20). Esta consciência aparece também na ordenação diaconal quando o bispo entrega ao ordenado os livros dos Evangelhos e diz: “Recebe o Evangelho de Cristo, do qual foste constituído mensageiro; transforma em fé viva o que leres, ensina aquilo que creres e procura realizar o que ensinares.” (PR 238).
            Terminada a leitura, o ministro beija o livro e diz: “Pelas palavras do santo Evangelho sejam perdoados os nossos pecados”.  Além do respeito expresso pelo beijo, este rito manifesta que a Igreja crê que anúncio do Evangelho é anúncio de perdão e anúncio de perdão é anúncio do Evangelho. De fato, a Palavra de Deus é como o fogo (Jr 23, 29), tal como brasa ardente toca nossos lábios e perdoa nossos pecados (Is 6, 7).


IV
           
            Para manter a diferença entre a proclamação do Evangelho das demais leituras, a liturgia, tanto do oriente, quanto do ocidente, ideou um livro especial - o Evangeliário - que passou a ser objeto de inúmeros gestos de veneração.
1)      Deve ser cuidadosa e formosamente adornado (OLM 36). Na antigüidade, com freqüência, era escrito com letras de ouro ou prata, num fundo de púrpura e decorado com miniaturas. A capa era de marfim, ouro puro ou prata.
2)      Na entrada é levado na frente pelo diácono ou pelo leitor que o deposita respeitosamente sobre o altar, lembrando que, na missa, liturgia da Palavra e liturgia eucarística são dois momentos da mesma e única celebração.
3)      Após as duas leituras feitas de um lecionário comum, faz-se uma segunda procissão. O diácono o toma do altar e, segurando-o um pouco elevado, se dirige ao ambão, precedido do turiferário com o turíbulo fumegante e dos ministros com velas acesas. O costume de acompanhar o Evangeliário com velas é muito antigo. São Jerônimo o atesta em seu livro Contra Vigilâncio. "Em todas as Igrejas do Oriente acendem-se luzes ao Evangelho em sinal de alegria. O Evangelho é cantado no meio de luzes, não para afugentar as trevas, mas como sinal de alegria".
4)      Em algumas celebrações pode ser incensado. O incenso, como se sabe, só se usa em honra a Deus e a Cristo. Incensa-se o altar porque é símbolo de Cristo. Incensa-se o presidente da celebração porque age "in persona Christi". Incensa-se a assembléia porque Cristo sempre está onde dois ou mais estiverem reunidos em seu nome. Incensa-se o Evangeliário porque no Evangelho é o próprio Cristo que fala.
5)      Durante a procissão canta-se o Aleluia ou outro canto conforme o tempo litúrgico. Enzo Lodi, comentando este gesto, afirma que sua "finalidade é fazer os fiéis passarem do estado de simples ouvintes ao de discípulos que acolhem o Senhor e lhe fazem festa".
6)      Ao iniciar a proclamação do texto o diácono e a assembléia fazem o tríplice sinal da cruz. Segundo Pius Parsch, este sinal lembra que Cristo, o crucificado nos fala, e nós queremos receber a doutrina da Cruz. Para J. Aldazabal, o gesto expressa o desejo de que a Palavra penetre em nossas pessoas e ilumine nossos pensamentos, nossas palavras e nossos atos.
7)      Enquanto se proclama o Evangelho todos estão de pé, voltados para quem o lê. Este é mais um sinal de respeito e expressa a atitude interior de abertura total a Cristo que vai falar como autêntico Mestre.


V

            Depois do Evangelho que é o seu ponto alto, as demais leituras constituem a parte mais importante da Liturgia da Palavra. Não podem ser omitidas por qualquer motivo, nem podem ser reduzidas. Não podem ser substituídas por paráfrases bíblicas, menos ainda, por leituras não bíblicas (OLM 12). A única exceção registrada na história a este respeito refere-se à leitura das atas dos mártires, atestada por Apolônio, no século II, e confirmada pelo Concílio de Cartago, no século IV. Nas missas com crianças, tendo em conta a sua inteligência, pode-se omitir um ou outro versículo. Pede-se, no entanto, muita precaução para que não se altere o sentido do texto ou o seu espírito (DMC 43).
            Antes da reforma prescrita pelo Concílio Vaticano II, eram apenas duas as leituras da Liturgia da Palavra: a das Cartas e a do Evangelho. Com a reforma se resgatou, nas missas de domingo, o costume antigo, ou seja, cada missa apresenta três leituras: a primeira do Antigo Testamento; a segunda, do Apóstolo, isto é, das Cartas, dos Atos dos Apóstolos ou do Apocalipse, segundo os diversos tempos do ano; e a terceira, do Evangelho. Esta distribuição tem a intenção de pôr em “evidência a unidade dos dois Testamentos e da história da salvação, cujo centro é Cristo celebrado no seu mistério pascal” (OLM 66).
            Por motivos pastorais sérios, pode-se omitir uma das duas primeiras leituras, sem se desvirtuar “a intenção de instruir plenamente os fiéis sobre o mistério da salvação” (OLM 79). A que mais harmonicamente se relacionar com o Evangelho, ou que melhor contribuir com uma catequese orgânica seguida durante certo período de tempo deve ser a preferida. “Por exemplo, no Tempo da Quaresma, propõe-se uma continuidade de leituras do Antigo Testamento, segundo a evolução da história da salvação; ou, nos domingos do Tempo Comum, propõe-se a leitura semi-contínua de alguma Carta. Neste caso, convém que o pastor de almas escolha uma ou outra das leituras de maneira sistemática durante vários domingos seguidos, a fim de estabelecer um sistema coerente de catequese; nem seria, de modo nenhum, conveniente que, sem nexo, se fizesse a leitura ora do Antigo Testamento ora de uma Carta, sem um seguimento orgânico dos textos” (OLM, nota 106).
A leitura dos textos, na Liturgia da Palavra, não é função presidencial, mas sim ministerial (IGMR 59). Por isso deve ser feita por leitores, instituídos ou não. As mulheres também podem proclamar a Palavra de Deus na Missa, mesmo que, para tanto, não lhes é facultada a instituição.
            Como se pode ver pela orientação do Magistério da Igreja, o leitor e a leitora não são simples ajudantes do padre que está presidindo a Missa, mas exercem um verdadeiro ministério que deve ser assumido “ainda que haja ministros de grau superior” (OLM 51).
            Justamente por ser um ministério, o leitor e a leitora precisam ser pessoas idôneas e cuidadosamente preparadas. “Esta preparação deve ser principalmente espiritual, mas é necessária a chamada preparação técnica. A preparação espiritual pressupõe pelo menos a dupla formação, bíblica e litúrgica: a formação bíblica, para que possam os leitores compreender as leituras, no seu contexto próprio e entender à luz da fé o núcleo da mensagem revelada; a formação litúrgica, para que os leitores possam perceber o sentido e a estrutura da Liturgia da Palavra e os motivos que explicam  a conexão entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia eucarística. A preparação técnica deve tornar os leitores cada vez mais aptos na arte de ler em público, quer de viva voz, quer com a ajuda dos modernos instrumentos de ampliação sonora” (OLM 55).


VI

O Concílio Vaticano II pede que se restaure, se parecer oportuno ou necessário, sempre segundo a tradição dos Santos Padres, alguns ritos que, por acaso, tenham desaparecido com o tempo (SC 50). O Salmo responsorial, há treze séculos desaparecido, foi um desses elementos recuperados pela reforma litúrgica.
Foi um dos cantos mais antigos da celebração eucarística, testemunhado por Santo Agostinho, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio e São Leão Magno. Suas homilias, com freqüência, se inspiravam no Salmo cantado pelo salmista.
“O salmo que há pouco ouvimos cantar e ao qual respondemos cantando é breve mas muito útil...
Não podereis experimentar a verdade do que acabais de cantar, se não começardes a vivê-la... Começai por agir, e compreendereis do que falamos. Então, a cada palavra correrão as vossas lágrimas; então, cantareis verdadeiramente este salmo. Há muitos que cantam com a boca e ficam mudos no coração. Muitos outros não mexem os lábios, mas clamam com o afeto. Os ouvidos de Deus estão atentos ao coração do homem. Tal como o ouvido do corpo é feito para a boca do homem, assim o coração do homem é feito para a boca de Deus. Muitos, de boca fechada, são atendidos, e muitos, com grandes clamores, não o são...” (S.Agostinho, Com. ao Salmo, 119,1 e 9).
“Não vás pensar que entraste aqui unicamente para dizer palavras, mas antes para que, quando respondes ao salmo, compreendas que ficas ligado por este refrão. Quando cantas Como o servo anseia pelas águas vivas, assim minha alma anseia por Vós, Senhor, fazes um pacto com Deus. Assinas um recibo, sem papel nem tinta; confessas com a tua voz que O amas acima de tudo, que não pões nada antes dEle e que ardes de amor por Ele...
Por isso, não entremos aqui de qualquer maneira nem cantemos refrões por rotina, como coisa já sabida, mas sirvamo-nos deles como bastão de viagem. Um só versículo é capaz de nos ensinar muita sabedoria...
Os refrões dos salmos que cantaste não apenas uma vez, nem duas, nem três, mas muitas vezes, recorda-os com interesse, pois neles encontrarás grande consolação...
Exorto-vos, por isso, a não sair daqui de mãos vazias, mas a recolher os refrões como se fossem pérolas, para os guardar sempre convosco, para os meditar, para os cantar todos aos vossos amigos e às vossas esposas. E, se a agitação te invadir a alma, se a cupidez, a cólera ou qualquer outra paixão perturbar o teu espírito, canta-os com assiduidade. É desse modo que gozaremos de uma grande paz nesta vida e que obteremos, na outra, os bens eternos, pela graça e o amor de nosso Senhor Jesus Cristo”. (S.João Crisóstomo, Com. ao Salmo 41).
 Infelizmente, até o momento, o Salmo responsorial não tem sido bem entendido. Com freqüência é substituído por outro canto. As próprias orientações litúrgicas fazem esta concessão (DMC 46; OLM 56) que, no entanto, deve ser considerada altamente provisória e totalmente inconveniente. Trata-se de um convite à assembléia para responder “espiritualmente” à Palavra de Deus que acaba de ser proclamada. À Palavra de Deus só se responde dignamente com a Palavra de Deus. Por isso, o Salmo responsorial deve ser sempre um salmo ou um cântico do Antigo ou do Novo Testamento.
O Salmo responsorial é cantado ou recitado pelo salmista e não pelo leitor (OLM 22). Mesmo que as orientações litúrgicas permitam outro posicionamento (IGMR 61), o lugar mais adequado para cantá-lo é o ambão (OLM 22), pois se trata da Palavra de Deus. Existem dois modos de cantar ou recitar este Salmo: o responsorial que, como o próprio nome sugere, deve ser o preferido; e o direto. No modo responsorial o salmista canta ou recita os versículos e a assembléia o refrão. No modo direto não existe refrão. É cantado ou recitado só pelo salmista ou por toda a assembléia.
Devido à sua importância, as orientações litúrgicas pedem que haja “em cada comunidade eclesial leigos competentes na arte de salmodiar e dotados de pronúncia correta e dicção perfeita” (OLM 56).


VII

            Além do Salmo responsorial, encontram-se na Liturgia da Palavra mais dois cantos: a aclamação ao Evangelho e a seqüência.
            A aclamação ao Evangelho é um canto muito antigo. Um texto apócrifo, escrito entre o IV e o V séculos, intitulado Martírio de Mateus, faz a seguinte recomendação: "salmodiai o Aleluia e lede o Evangelho". Como lembra a Instrução Geral do Missal Romano, este canto "constitui um rito ou ação por si mesma, através do qual a assembléia dos fiéis acolhe o Senhor que lhe vai falar no Evangelho [...]. É cantado por todos, de pé [...], o versículo, porém, é cantado pelo grupo de cantores ou cantor"(IGMR 62). Chama-se também Aleluia, porque seu refrão, exceto na Quaresma, se compõe de um ou mais aleluias.  "No tempo da Quaresma, no lugar do Aleluia, canta-se o versículo antes do Evangelho proposto no lecionário. Pode-se também cantar um segundo salmo ou trato, como se encontra no Gradual"(IGMR 62 b). Canta-se a aclamação ao Evangelho também quando se faz apenas uma leitura. Deve ser sempre cantada, se não, pode ser omitida (IGMR 63,c).
            A aclamação ao Evangelho é um canto breve. Não pode ser substituída por um canto longo em que o Aleluia aparece apenas como apêndice. Às vezes, nem como apêndice. Por exemplo: "Fala Senhor pela Bíblia", ou "Buscai primeiro o Reino de Deus", para citar apenas dois.
"Uma aclamação ao Evangelho que se preze deve ter ritmo vigoroso e melodia brilhante. O clima geral será de expectativa, de prontidão, pois o Senhor nos vai falar. Para que isso aconteça, os instrumentos musicais, assim como as vozes da assembléia, devem ressoar com o máximo de eloqüência" (Frei J. Fonseca, Cantando a missa e o ofício divino, p. 32).
            A seqüência nasceu no século IX e deve sua origem ao costume de prolongar o último "a" do aleluia com uma série de notas expressando intenso gozo. Mais tarde, um monge de São Galo, chamado Notgero Balbulo, compôs para aquelas melodias uma série de textos que, com o tempo, foram se aperfeiçoando e se popularizando. No norte da Europa, para cada festa se compôs uma seqüência. Na Itália, no entanto, e, particularmente, em Roma, a acolhida foi menos calorosa. Certamente por isso, na reforma de Pio V, prevista pelo Concílio de Trento, as seqüências se reduziram a quatro apenas: a da Páscoa (Cantai, cristãos, afinal: "Salve, ó vítima pascal"), a de Pentecostes (Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz!), a de Corpus Christi (Terra exulta de alegria. Louva teu pastor e guia) e a do Dia de Finados (Dia de ira, aquele dia). No século XVIII, o Papa Bento XIII determinou que na festa de N. Sra. das Dores fosse cantada a seqüência "Estava a Mãe Dolorosa". O Missal de Paulo VI conservou estas cinco seqüências. Três em caráter facultativo e duas, a de Páscoa e a de Pentecostes, em caráter obrigatório. Contrariando sua origem, prescreve-se que a seqüência seja cantada antes do Aleluia.



VIII

            Como parte da ação litúrgica a homilia explana e desenvolve as leituras feitas durante a Liturgia da Palavra (IGMR 55). Nela se expõe o mistério de Cristo no aqui e agora da comunidade. Partindo dos textos sagrados, relaciona-os com o sacramento e aplica-os à vida concreta (Puebla 930). A homilia tem como objetivo conduzir os fiéis a uma compreensão saborosa da Sagrada Escritura, abrindo-lhes a alma à ação de graças pelas maravilhas de Deus e levando-os a praticar as exigências da vida cristã (ILM 41).
Os documentos da Igreja pedem grande atenção à homilia. Orientam para que não seja nem muito longa, nem muito breve. Prescrevem que a realidade dos ouvintes não seja esquecida e que haja muito zelo em sua preparação. Tenha conteúdo substancioso, fruto de conscienciosa meditação.
Os mesmos documentos determinam que se façam homilias nas celebrações de todos os domingos e festas. Somente uma grave causa, permite sua omissão. Aconselham que as homilias sejam também proferidas nos dias de semana do Advento, da Quaresma, do Tempo Pascal e em outras celebrações, tais como batismo, liturgias penitenciais, matrimônio, unção dos enfermos, liturgia das horas, bênçãos de pessoas e objetos, comunhão fora da missa, exposição e bênção eucarística e funerais. Com relação aos funerais, chamam a atenção para que se evite todo tipo de "elogio fúnebre", ou seja, qualquer tipo de retórica e louvação às virtudes do defunto.
Os documentos orientam ainda que a homilia deve ser proferida pelo presidente da celebração, ou por um presbítero concelebrante, ocasionalmente por um diácono, (IGMR 66). Os leigos nunca podem proferir a homilia, exceto nas missas com crianças, se o padre tiver dificuldade de se adaptar à mentalidade e à linguagem das crianças (DMC 24).
A homilia tem sua origem no tempo da Sinagoga em que a leitura da Torá era seguida de um comentário. Na Sinagoga de Nazaré, em uma homilia, Jesus afirmou que o texto de Isaías, apenas lido, estava se realizando naquela dia (Lc 4,21). Nas celebrações dos primeiros cristãos, logo que o leitor terminava de ler as Memórias dos apóstolos, o presidente fazia uma exortação e convidava os irmãos a imitar aqueles belos exemplos (Justino, I Apol., 67).
Com o tempo, principalmente, na Idade Média, as pregações dos mendicantes, nas missões populares, transformaram a homília em sermão, expulsando-a do seu "habitat" litúrgico. Com Concílio Vaticano II, a homilia voltou a ser o que era: "parte da liturgia".
Segundo o Papa Paulo VI, depois de tanto esforço, seria um erro, não ver na homilia um instrumento valioso e muito adaptado para a evangelização (EM 43). Dom Oscar Romero, seguiu à risca esta orientação. Estruturadas no tripé: texto bíblico, contexto sócio-eclesial e relação litúrgico-vital, as homilias de Dom Romero foram ouvidas não apenas pelos fiéis que lotavam a catedral cada domingo, mas também pela multidão que se acotovelava nos quarteirões circunvizinhos ao templo e pelos milhares de ouvintes da rádio da Arquidiocese.



IX

            Nos domingos, solenidades e celebrações especiais o padre termina a homilia convidando a assembléia para recitar o "creio" ou "símbolo", também chamado "profissão de fé". Segundo a Instrução Geral do Missal Romano o "creio" é muito útil para manifestar e fomentar a participação ativa dos fiéis (36). Por ele o povo faz sua adesão à palavra de Deus (55) anunciada da sagrada Escritura e explicada pela homilia, e também recorda e professa os grandes mistérios da fé, antes de iniciar sua celebração na Eucaristia (67). Pode ser cantado ou recitado, sempre de pé (43). Quando cantado pode ser entoado pelo padre, pelo cantor ou grupo de cantores. É cantado por todo o povo junto ou alternado com o grupo de cantores. Para facilitar a participação no canto o Diretório para Missas com Crianças permite adotar composições musicais apropriadas com versões populares aceitas pela autoridade competente, ainda que literalmente não estejam de acordo com o texto litúrgico (DMC 31). Se for recitado, pode ser por todo o povo junto ou alternado em dois coros, por exemplo, lado A e lado B (68). Ao pronunciar as palavras "e se encarnou pelo Espírito Santo" todos se inclinam profundamente. Nas solenidades da Anunciação do Senhor e do Natal todos se ajoelham (137). Nas celebrações com assembléias compostas de pessoas de diversas nacionalidades é bom que seja cantado em latim com melodias mais simples (41). O texto preferido é o do símbolo niceno-constantinopolitano, mas é também permitido o símbolo apostólico (MR 15 e DMC 49). O Diretório para Missa com Grupos Populares prevê também a profissão de fé em forma de perguntas e respostas, à semelhança do que ocorre no rito do batismo e na vigília pascal (DMGP 3.2.9).
            No início, o "creio" não fazia parte da missa. Era um rito próprio do batismo. Por isso é recitado na primeira pessoa do singular. A partir de 515, o patriarca Timóteo de Constantinopla introduziu o uso de recitá-lo em todas as missas após a homilia. Com esta determinação pretendia demonstrar sua ortodoxia, pois fora acusado de ser adepto da heresia monofisita. Ainda no século VI, o costume se espalhou para o ocidente, a começar da Espanha, a fim de combater o arianismo. Neste caso, não após a homilia, mas antes do Pai-Nosso. Mais tarde, deixou de ser obrigatório para todas as missas. Em 1014, por exemplo, quando passou a ser recitado em Roma, o Papa Bento VIII determinou que fosse apenas nos domingos e nas festas dos mistérios mencionados em seu texto. Finalmente em 1970, o Papa Paulo VI estabeleceu as normas que estão em vigor, ou seja, canta-se ou recita-se o "creio" nas missas dos domingos, das solenidades e das celebrações especiais. No início o "creio" era recitado somente pelo povo. Em algumas Igrejas não se permitia nem mesmo a recitação alternada, porque "todos deviam fazer a profissão de todos os artigos da fé". A partir do século X passou a ser cantado pelo clero. Com o predomínio da música polifônica o "creio" deixa de ser uma oração do povo e se converte na parte musical mais brilhante do ordinário da missa, executado pelo coral (schola cantorum). Hoje, como já vimos, voltou a ser uma oração com a participação de toda a assembléia.


X

            Encerra-se a liturgia da Palavra com a Oração dos Fiéis. É uma das pérolas litúrgicas restauradas pelo Concílio Vaticano II. Testemunhos dos Santos Padres e da própria liturgia nos confirmam que até o século V fazia-se a Oração dos Fiéis após a homilia. Em Roma, depois do Papa Gelásio (492-496) ninguém mais fala dela. Nos livros litúrgicos é recordada apenas na sexta feira santa.
O texto do Concílio que determina a sua volta chama-a de oração comum ou dos fiéis(SC 53), no entanto, o Missal Romano, com informações históricas mais precisas, modifica a terminologia e fala de oração universal ou dos fiéis(MR 16 e IGMR 69). De fato esta última expressão exprime melhor a sua natureza, inspirada em textos bíblicos e patrísticos.
"Em primeiro lugar, recomendo que se ofereçam súplicas, pedidos, intercessões e ações de graças por todas as pessoas, especialmente pelos reis e autoridades, para que possamos viver tranqüilos e serenos com toda a piedade e dignidade. Isso é bom e agradável a Deus nosso salvador"(1Tm 2,1-4).
"Rezai por todos os santos. Rezai também pelos reis, autoridades e príncipes, pelos que vos perseguem e vos odeiam, pelos inimigos da cruz. Desse modo, o vosso fruto será manifesto em todos, e vós sereis perfeitos nele"(S. Policarpo, Carta aos Filipenses, 14,3).
Segundo a Instrução Geral do Missal Romano, nesta oração, o povo, exercendo a sua função sacerdotal "responde de certo modo à Palavra de Deus acolhida na fé", elevando preces a Deus pela salvação de todos (IGMR 69). A mesma Instrução orienta que seja feita em todas as missas onde houver participação do povo. O que preside, de sua cadeira, introduz e conclui a oração. As intenções são feitas do ambão ou de outro lugar apropriado, pelo diácono, pelo cantor, pelo leitor ou por um outro fiel leigo. O povo participa da oração com uma invocação comum, após cada intenção, ou com uma oração silenciosa(IGMR 71).
Como se pode ver, a Oração dos Fiéis tem as seguintes características:
1)      É uma súplica ou invocação a Deus. Sua finalidade portanto, não é, em primeiro lugar, exprimir adoração, ação de graças, ou louvor a algum santo ou santa. Muito menos ser momento de  pregação ou catequese.
2)      Pede a Deus sobretudo benefícios universais, ainda que, em celebrações especiais, como Confirmação, Matrimônio, Exéquias, pode-se pedir pelo fiéis ali reunidos.

3)      É oração dos fiéis. Sãos os fiéis que formulam os pedidos. O ministro que preside apenas introduz (sempre dirigindo-se ao povo, nunca a Deus) e conclui a oração.