4 Liturgia Eucarística

I

            Os quatro textos bíblicos que narram a instituição da Eucaristia dizem que, enquanto ceava, Jesus tomou o pão e o cálice, deu graças, partiu o pão e deu-o a seus discípulos dizendo: Tomai, comei, bebei; isto é o meu Corpo; este é o cálice do meu Sangue. Fazei isto em memória de mim (cf. Mt 26,26; Mc 14,22-24; Lc 22,19-20; 1Co 11,23-25).
            Aos gestos de tomar o pão, dar graças, partir e dar aos discípulos, corresponde a estrutura da liturgia eucarística, ou seja, a apresentação das ofertas, a oração eucarística, também dita anáfora, a fração do pão e o rito de comunhão.
            Comecemos nosso comentário pela apresentação das ofertas que, longe de ter sido negligenciada pela reforma litúrgica, foi, pelo contrário, muito valorizada como expressão primeira do mandamento do Senhor: Fazei isto em memória de mim.
            Muita gente continua, de forma inadequada, a se referir a este momento da celebração com o termo "ofertório". O grande ofertório da missa acontece durante a Oração Eucarística onde Cristo se oferece a si mesmo ao Pai e por ele, com ele e nele, nós também nos oferecemos. Antecipar esse momento seria prejudicar a economia da celebração e poderia criar confusão no espírito dos fiéis.
            No início da Igreja a apresentação das ofertas foi muito simples, ou melhor dizendo, não existia. As ofertas já estavam sobre a mesa. No final do século II, começam aparecer os primeiros sinais de ritualização. Os fiéis, em procissão, passam então a levar, "in natura", suas ofertas ao presidente da celebração que, auxiliado pelos diáconos, as recolhia para ser distribuídas aos pobres, ao mesmo tempo que separava um pouco de pão e de vinho para a Eucaristia. Contribuíram para o surgimento deste gesto a decadência do paganismo e o aparecimento da gnosis que desprezava tudo o que era material. Como lembra Jungmann, "o perigo já não estava nos sacrifícios pagãos, mas no exagerado espiritualismo platônico, disfarçado de pensamento cristão".
São muitos os textos patrísticos que atestam este costume. Santo Agostinho, por exemplo, afirma que sua mãe "não deixava passar um dia sem apresentar ao altar a sua oferta"(Confissões 5,9). São Cipriano repreende com duras palavras a uma matrona avarenta que participava da Eucaristia sem nada levar para o altar.
            "Sendo como és, não podes fazer boas obras na Igreja, pois os teus olhos, demasiado enegrecidos e cobertos das trevas da noite, não vêem o necessitado e o pobre. Sendo opulenta e rica, pensas que celebras a Ceia do Senhor, tu que nem sequer olhas para a caixa, que vens à celebração sem oferenda e recebes parte da oferenda que o pobre apresentou? Contempla a viúva do Evangelho; apesar da pobreza em que se via apertada, não se esqueceu dos preceitos do Senhor e fez esmola, lançando na caixa as duas únicas pequenas moedas que possuía...". (As Obras e as Esmolas, 15).
            Mais tarde, aos cristãos da Gália, Cesário de Arles assim exortava: "Trazei oferendas dignas de ser consagradas no altar. Aquele que vive bem deve corar por ter comungado graças à oferenda de um outro" (Sermão 13,2). "Quando vierdes à igreja, apresentai uma oferenda que possa ser consagrada no altar. Há muitos fiéis pobres que apresentam com freqüência oferendas na igreja... Ao contrário, há ricos que não distribuem nada aos pobres nem apresentam oferendas nas igrejas e que não têm vergonha de comungar da oferenda oferecida por um pobre..."(Sermão 14,3).
            Com o tempo, ou mais precisamente na Idade Média, o rito foi sendo solenizado e acrescido de cerimônias e orações. Hoje, de novo, se busca a simplicidade primitiva e se orienta que "embora os fiéis já não tragam de casa, como outrora, o pão e o vinho destinado à liturgia, o rito de levá-los ao altar conserva a mesma força e significado espiritual" (IGMR 73).



II

            Durante a procissão das oferendas está previsto um canto que se prolonga até que os dons sejam colocados sobre altar(IGMR 74). "O canto não deve necessariamente falar de ofertas, mas pode recordar a vida do povo de modo condizente com o ato litúrgico ou simplesmente harmonizar-se com a celebração do mistério do dia de acordo com a tradição"(AVLB 296). O presidente da assembléia pode sentar-se, enquanto a mesa é preparada. Vale a pena chamar a atenção para expressão "preparação dos dons". Significa que até aquele momento o altar deve estar vazio. Mesmo numa pequena igreja, é conveniente que o pão e o vinho estejam em outro lugar, pois "as ofertas da assembléia fazem parte da ação litúrgica. Por isso não devem ser abolidas"(AVLB 292). O Diretório para missas com grupos populares orienta que "em certa ocasiões, este rito se tornará mais expressivo se o povo depositar, em lugar conveniente, donativos em gêneros ou dinheiro para atender às necessidades dos pobres ou da igreja; ou ainda, se levar para junto do altar símbolos alusivos à comemoração realizada naquele dia ou a algum aspecto da vida da comunidade" (3.3.1). "Onde expressões corporais forem bem aceitas poderão ser admitidas na procissão de ofertas"(AVLB 297). Cuide-se, porém, para que os símbolos sejam verdadeiros. Evite-se levar ao altar objetos puramente figurativos ou representativos de lugares ou grupos, sem nenhuma referência à Eucaristia. Afaste-se todo e qualquer sinal de espetáculo.
            Terminada a procissão de ofertas, o sacerdote, de pé, toma a patena com o pão, em seguida o cálice com vinho, eleva-os um pouco sobre o altar e recita uma oração em silêncio. Se não houver canto, a oração pode ser feita em voz alta, acrescida de uma aclamação por parte do povo.
            Ao vinho se acrescenta um pouco d'água. Este rito, apesar de simples, é muito antigo e rico de simbolismo. São Justino e Santo Irineu, que viveram no século II, já o mencionam. Segundo São Cipriano, (séc. III) "na água está figurado o povo, e no vinho o Sangue de Cristo, o povo dos crentes adere e une-se Àquele em que crê... Por isso, quando se santifica o cálice do Senhor, não se pode oferecer apenas água, como também não se pode oferecer apenas vinho. Se alguém oferece só vinho, o Sangue de Cristo está sem nós; mas se apenas se oferece água, o povo está sem Cristo... Por isso, o cálice do Senhor não é só água ou só vinho, mas a mistura de ambos, como o Corpo do Senhor também não pode ser só farinha ou só água, mas ambas as coisas misturadas na fusão de um só pão..."(Carta 63, 13).
            Com o tempo, outras interpretações simbólicas e reflexões teológicas interessantes foram acrescentadas. Segundo o Concílio de Trento, se faz esta mistura porque: a) se crê que o próprio Cristo assim o fez; b) do seu lado aberto pela lança saiu sangue e água; c) representa a união do povo fiel, a Igreja, com sua cabeça, Cristo (Dz 945). No Oriente, além da água que saiu do lado aberto, água e vinho no cálice significaram também a união das duas naturezas em Cristo, tão bem expressa na oração do atual Missal: "Pelo mistério desta água e deste vinho possamos participar da divindade de vosso Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade".


III

            Feita a apresentação do pão e do vinho, pode-se fazer a incensação das oferendas, da cruz, do altar, do presidente da celebração e de toda a assembléia. As oferendas, a cruz e o altar são incensados pelo que preside a celebração. O próprio presidente e a assembléia são incensados pelo diácono ou outro ministro.
            Antes da reforma prescrita pelo Concílio Vaticano II, usava-se incenso apenas nas missas solenes. Hoje, seu uso é facultativo para qualquer forma de missa (IGMR 276).
            O incenso é conhecido desde tempos muito antigos por diversos povos e culturas. O povo judeu também o usava em seus ritos e festas. O livro do Êxodo descreve em detalhes a confecção do "altar do incenso" (Ex 30,1-10). Segundo o evangelista São Lucas, Zacarias, pai de João Batista, quando recebeu o anúncio que haveria de ter um filho, estava oferecendo incenso no interior do santuário (Lc 1,8).
            Apesar do testemunho bíblico, os primeiros cristãos tiveram dificuldades de introduzir o incenso em suas celebrações. Seu uso foi liberado, pouco a pouco, à medida que foi desaparecendo toda sua relação com o culto aos imperadores e com o paganismo em geral. As oferendas começaram a ser incensadas somente a partir do século IX. O simbolismo do gesto é muito claro: representar simbolicamente e pedir que a oferta que está sendo feita seja aceita como incenso de agradável odor.
            À preparação das ofertas ou à sua incensação segue-se o lavabo, ou seja, o que preside lava as mãos, dizendo: "Lavai-me, Senhor, de minhas faltas e purificai-me de meus pecados". Alguns presbíteros omitem este rito, outros o fazem sem expressividade. A reforma litúrgica, no entanto, não o suprimiu (IGMR 76; MR 24). Supõe-se, por isso, que deva ser bem feito. O Missal não fala de "molhar as pontas dos dedos", apenas, mas de "lavar as mãos". Por isso, deve-se usar uma jarra e uma bacia de proporções discretas. Da mesma forma, a toalha, para enxugar as mãos, não pode ser um pequeno lenço. Aqui, como em outras ocasiões, se deve ter bem presente que todas as coisas "destinadas ao culto litúrgico ou a qualquer uso na igreja sejam dignas e condizentes com o fim a que se destinam" (IGMR 348).
            O sentido simbólico deste rito vem desde os primeiros séculos. São Cirilo de Jerusalém, por exemplo, deixou-nos este testemunho: "Vistes o diácono oferecer água ao pontífice e aos presbíteros que rodeiam o altar de Deus para lavarem-se. Não a deu, absolutamente, por causa da sujeira corporal. Não é isso. Pois com o corpo sujo nem sequer teríamos entrado na igreja. Mas lavar as mãos é símbolo de que nos devemos purificar de todos os pecados e de todas as faltas. Já que as mãos são símbolo das obras, lavamo-las, indicando evidentemente a pureza e a irrepreensibilidade das obras. Não ouviste como o bem-aventurado Davi te introduziu neste mistério ao dizer: 'Lavarei as mãos entre os inocentes e andarei ao redor do teu altar, Senhor?'. Então, lavar as mãos é estar limpo de pecado". (Cat. Mist. V,2).

IV

            Encerra-se a apresentação das ofertas e prepara-se a oração eucarística com o convite aos fiéis para rezarem com o sacerdote e com a oração sobre as oferendas (IGMR 77).
            O convite para rezar é um rito tardio. Aparece apenas no século IX. A primeira notícia a seu respeito nos foi dada por Amalário, bispo de Metz. Num contexto em que a dimensão sacerdotal do povo de Deus havia sido esquecida, o sacerdote pedia aos fiéis para que rezassem por ele para que fosse digno de oferecer ao Senhor a oblação de todo o povo. Hoje, expressando outra concepção teológica, o convite é para rezarem com o sacerdote e juntos oferecerem o sacrifício. Apesar de se usar apenas um, o Missal apresenta quatro formulário. Creio ser interessante chamar atenção para as três alternativas quase nunca usadas.
            1) Orai, irmãos e irmãs, para que esta nossa família, reunida em nome de Cristo, possa oferecer um sacrifício que seja aceito por Deus Pai todo-poderoso.
            2) Orai, irmãos e irmãs, para que, levando ao altar as alegrias e fadigas de cada dia, nos disponhamos a oferecer um sacrifício aceito por Deus Pai todo-poderoso.
            3) Orai, irmãos e irmãs, para que o sacrifício da Igreja, nesta pausa restauradora na caminhada rumo ao céu, seja aceito por Deus Pai todo-poderoso.
            A oração sobre as oferendas é a mais antiga de todo o rito da apresentação das ofertas. Desde o século VI encontram-se testemunhos a respeito de sua existência.  A partir do século VIII recebeu o nome de Secreta, passou a ser rezada em voz baixa e a ser considerada parte da oração eucarística que também mergulhara no silêncio. Hoje, com a reforma litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II, voltou a se integrar à apresentação das ofertas e a ser proferida em voz alta e distinta, estando a assembléia de pé, como exige a natureza de qualquer oração presidencial (IGMR 30 e 32).
Os textos de várias destas orações, sobretudo das mais antigas, demonstram bem seu significado: apresentar a Deus as ofertas que os fiéis haviam trazido até o altar ou altares (solenidade de S. João Batista, texto latino da missa do dia). A determinação para que os concelebrantes se aproximem do altar somente após ter sido concluída pelo celebrante principal (IGMR 215), manifesta também a intenção de não antecipar temas próprios da oração eucarística em que se oferece o verdadeiro sacrifício cristão. É muito importante que apareça bem claro que, com a oração sobre as oferendas, estamos terminando um rito secundário e, com o diálogo do prefácio, estamos iniciando o rito central e culminante da Eucaristia. Para tanto, além dos gestos previstos pelas rubricas, pode-se usar de criatividade. Por exemplo: intercalar, entre o "amém" da oração sobre as oferendas e "o Senhor esteja convosco" do prefácio, um pequeno espaço de música ou um breve comentário do presidente. O mesmo cuidado indica-nos que seria sem sentido e pouco educativo o que às vezes acontece: cantar a oração sobre as ofertas e apenas recitar o prefácio.



V

            Dentro do conjunto da liturgia eucarística a anáfora, também dita oração eucarística, constitui o "centro e ápice de toda a celebração"(IGMR 78; 30). É a oração solene que abrange toda a parte central da missa. "Nela prevalece o caráter de ação de graças por todo o mistério da salvação ou por um aspecto particular dele, celebrado na ação litúrgica, segundo a diversidade do dia, da festa, do tempo ou do rito" (SCCD, Carta "Participação na Eucaristia, 8). Seu sentido é unir toda a assembléia com Cristo na proclamação das maravilhas de Deus e na oblação do sacrifício(IGMR 78).
            A oração eucarística compõem-se dos seguintes elementos: a ação de graças expressa de modo especial pelo diálogo introdutório e pelo prefácio; a aclamação em que a assembléia unida aos anjos e santos canta o Santo; a epíclese através da qual invoca-se o Espírito Santo para que transforme o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Cristo, e para que aqueles que tomam parte na Eucaristia sejam um só corpo e um só espírito; a narrativa da instituição em que pela força das palavras e da ação de Cristo, e o poder do Espírito Santo, se tornam sacramentalmente presentes o Corpo e o Sangue de Cristo, seu sacrifício oferecido na cruz uma vez por todas; a anamnese pela qual a Igreja faz memória do mistério pascal de Cristo e de sua volta gloriosa; a oblação, o verdadeiro ofertório em que juntamente com Cristo a assembléia se oferece ao Pai; as intercessões em que se expressa que a Eucaristia é celebrada em comunhão com toda a Igreja do céu e da terra, dos vivos e dos mortos; a doxologia final confirmada pelo Amém da assembléia (CIC 1353-1354).
            O diálogo introdutório constitui "uma das poucas relíquias da tradição cristã mais antiga"(Jungmann). Hipólito de Roma, no século III, em sua Tradição Apostólica, já o registra na íntegra (Trad. Apost. 12).
            Comentando a fórmula - "O Senhor esteja convosco" - Santo Agostinho assim se expressa: "...dizemo-la cada vez que rezamos, pois isto nos é de ajuda, que o Senhor esteja sempre conosco, já que sem ele não somos nada" (Sermão "Vós, regenerados a uma vida nova").
            A fórmula "Corações ao alto" é muito comentada pelos Padres da Igreja. Citemos apenas dois:
            "Depois disso o sacerdote proclama: "Corações ao alto!". Verdadeiramente nesta hora mui tremenda, é preciso ter o coração no alto, junto de Deus, e não em baixo, na terra, nas coisas terrenas. Com autoridade, pois, o sacerdote ordena que nesta hora se abandonem todas as preocupações da vida e os cuidados domésticos e que se tenha o coração no céu, junto ao Deus benevolente" (Cirilo de Jerusalém, Catequese mistagógica V,4).
            "Depois desta bênção, "o pontífice prepara o povo, dizendo: Corações ao alto", para mostrar que, apesar de pensarmos que é na terra que estamos a realizar esta liturgia tremenda e inefável, no entanto, é lá para cima, para o Céu, que devemos olhar, dirigindo para Deus a intenção de nossa alma, pois estamos a fazer um memorial do sacrifício e da morte de Cristo, nosso Senhor, que por nós sofreu e ressuscitou, se uniu à natureza divina, se sentou à direita de Deus e está no Céu. Também nós temos necessidade de dirigir para lá o olhar da nossa alma e, (a partir) deste memorial, transportar para lá o nosso coração" (Teodoro de Mopsuéstia, Catequese mistagógica VI,3).
            Continuando seus comentários Teodoro de Mopsuéstia e Cirilo de Jerusalém passam para o convite à ação de graças com estas palavras:
            "Depois de o pontífice ter preparado e predisposto deste modo a alma e o coração dos assistentes, diz: "Demos graças ao Senhor". Com efeito, é por estas coisas que por nós foram feitas e das quais vamos realizar o memorial nesta liturgia, que devemos fazer, em primeiro lugar, uma ação de graças a Deus, causa de todos estes bens, pelos quais o povo responde: "É digno e justo". Ele confessa que é muito justo fazermos isto, quer por causa da grandeza de Deus, que nos concedeu tais dons, quer por ser justo que não sejam ingratos, para com o seu benfeitor aqueles que receberam benefícios" ( Teodoro de Mopsuéstia, Catequese mistagógica VI,4).
            "Depois diz o sacerdote: "Demos graças ao Senhor". Deveras, devemos agradecer-lhe, porque sendo indignos chamou-nos a tamanha graça que nos reconciliou, sendo seus inimigos, e nos fez dignos da adoção do Espírito. E vós dizeis: "É digno e justo". Pois quando damos graças nós fazemos algo digno e justo. Ele nos beneficiou não com a justiça, mas além de toda justiça, fazendo-nos dignos de grandes bens"(Cirilo de Jerusalém, Catequese mistagógica V,5



VI

            O prefácio, como a própria palavra diz, é uma solene proclamação de ação de graças, dirigida ao Pai, por meio de Jesus Cristo, por algum aspecto da magnífica obra da salvação, ou pelo mistério da salvação em seu conjunto. Por exemplo, no Natal se fala do nascimento de Jesus, na Páscoa se faz referência a Cristo ressuscitado.
No começo os cristãos chamaram de prefácio toda a Oração Eucarística, mas logo depois, na liturgia romana, a palavra passou a significar apenas o início desta solene oração. Mais tarde, num processo de empobrecimento de sua compreensão, passou a ser considerado apenas como introdução à Oração Eucarística. A reforma litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II recuperou o seu valor, dando-lhe, de novo, o destaque que ele merece, enquanto parte integrante da Oração Eucarística em seu matiz essencial de ação de graças.
            Seu gênero literário é de difícil classificação. Não se consegue saber se é um hino em forma de oração ou se é uma oração em forma de hino. Em todos os casos, o prefácio exige uma linguagem nobre e um estilo elegante. Tem que ter sonoridade poética e espiritual, uma contextura vigorosa de palavra e de fé. Nele, a beleza e a piedade se interpenetram. Seu papel é dispor a assembléia a celebrar com alegria e júbilo as maravilhas da redenção.
            Existem prefácios para cada tempo litúrgico, para cada solenidade e festa importante e também para alguns sacramentos e sacramentais. Por isso, no curto espaço de um artigo não será possível comentar o conteúdo de cada um deles.
            Para o tempo do Advento o Missal Romano nos coloca à disposição quatro prefácios. Neles somos convidados a acolher o Senhor presente em cada pessoa humana e a, vigilantes, esperá-lO, pois Ele virá, uma segunda vez, revestido de glória, para conceder-nos em plenitude os bens prometidos.
            Os três prefácios do Natal e o da Epifania colocam-nos diante do plano de Deus sobre a criação e do misterioso comércio entre Deus e o ser humano. Segundo este comércio, Deus, ao se tornar um de nós, torna-nos participantes de sua divindade e eternidade.
            Na Quaresma, o Missal Romano nos brinda com cinco prefácios. Neles somos chamados a nos colocar na estrada do Êxodo para que, aos pés da montanha sagrada, humildemente tomemos consciência de nossa vocação de povo da aliança.
            Quando a Quaresma chega ao seu fim, na quinta semana, o dois prefácios da "Paixão do Senhor" fazem-nos proclamar a misericórdia do Senhor e enaltecer a vitória do crucificado sobre o antigo inimigo.
            Nos cinco prefácios da Páscoa proclamamos que Cristo, morrendo, destruiu a morte, e, ressurgindo, garantiu-nos a vida em plenitude. Proclamamos também que Cristo continua, como nosso intercessor, a oferecer-se pela humanidade.
            O Tempo Comum possui nove prefácios. Seus títulos são muito sugestivos e com certeza sintetizam o seu conteúdo: o mistério pascal e o povo de Deus; o mistério da salvação; a salvação dos homens, pelo homem; a história da salvação; a criação; Cristo, penhor da Páscoa eterna; a salvação pela obediência de Cristo; a Igreja reunida pela SS. Trindade; o Dia do Senhor.
            Os prefácios são, com certeza, uma fonte inesgotável para nossa espiritualidade. A leitura orante é, sem dúvida, um método muito adequado para garimparmos o tesouro neles escondido.


VII

            O Santo é o segundo elemento da Oração Eucarística (IGMR 79b). Nele a assembléia é convidada a unir-se ao coro dos anjos, dos santos e santas canonizados oficialmente pela Igreja e dos santos e santas canonizados por nossos afetos, os nossos irmãos defuntos, para explodir numa vibrante aclamação de ação de graças e de louvor. O Santo deve ser habitualmente cantado por toda a assembléia juntamente com o sacerdote (cf. MS 34). "Uma aclamação apenas recitada perde muito do seu sentido, e mais ainda o Santo com seu caráter solene.(...), Não tem sentido convidar o céu e a terra, os anjos e os arcanjos para "cantar a uma só voz", e depois cantar apenas um grupinho ou pior ainda, um cantor sozinho"(Estudos da CNBB 12, Estudo sobre os cantos da Missa, p. 90).
            O Santo tem raízes bíblicas. A primeira parte é formada por um texto de Isaías (Is 6,3). A segunda parte se inspira no Salmo 118,26.
            Não sabemos quando foi introduzido o Santo na liturgia cristã. Tanto Justino, quanto Hipólito silenciam a seu respeito. Não erraríamos, no entanto, se afirmássemos que a Igreja canta o Santo desde os seus primórdios. Clemente Romano, no final do século I, não apenas cita, mas o introduz com o texto que as liturgias orientais mais tarde usaram com a mesma finalidade.
            "Miríades e miríades estão junto dele; milhares e milhares estão a seu serviço. E eles gritam: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos! Toda a criação está cheia se sua glória". Também nós, na concórdia, unidos na mesma consciência, como uma só boca, chamemos a ele com insistência, a fim de que tenhamos parte nas suas grandes e magníficas promessas" (Carta aos Coríntios 43,6).
Do século IV em diante não se tem mais dúvida. O Santo faz parte da Oração Eucarística. Confirmam-no inúmeros testemunhos, dos quais citaremos apenas um.
            "Acaso conhecestes este cântico? É por ventura só dos Serafins ou também é nosso? É nosso e também dos Serafins. Cristo, pelo seu grande amor para conosco, derrubou o muro que separava o homem de Deus, estabeleceu uma paz eterna entre o céu e a terra... Antes, só se ouvia este hino nas moradas celestes; mas Cristo veio à terra e trouxe-nos esta melodia divina. Se este grande Pontífice nos pôs a mesa sagrada, para lhe prestarmos um culto racional..., para nos apressarmos a entoar este cântico tão ditoso, e para que, juntamente com os Querubins e os Serafins, elevemos a nossa alma da terra e subamos com eles até o Céu, unamos às suas as nossas vozes..."(S. João Crisóstomo, Hom. sobre Isaías, 6,3).
            Com o Santo buscamos a chancela dos anjos, santos e santas para nossa oração e nosso louvor. De fato, nossas múltiplas atividades não nos permitem um louvor digno do nosso Deus. Por isso, apelamos para os especialistas em louvor e unimos nossa voz à deles a fim de que nosso débil canto também ressoe nos páramos eternos.



VIII

            A epíclese é o terceiro elemento estrutural da Oração Eucarística. Nela invoca-se o “Pai para que faça descer o dom do Espírito a fim de o pão e o vinho se tornarem o corpo e sangue de Jesus Cristo, e para que ‘a comunidade inteira se torne cada vez mais corpo de Cristo’. O Espírito, invocado pelo celebrante sobre os dons do pão e do vinho colocados sobre o altar, é o mesmo que reúne os fiéis ‘num só corpo’, tornando-os uma oferta espiritual agradável ao Pai". (Sacramentum Caritatis, 13).
            O Catecismo da Igreja Católica lembra que "juntamente com a anamnese, a epíclese está no cerne de cada celebração sacramental, mais especialmente da Eucaristia" (CIC 1106).
            Antes do Concílio Vaticano II nós tínhamos uma oração eucarística apenas. Era o Cânon Romano. Nela a epíclese não era explícita. Melhor dizendo, o Espírito Santo não era invocado de forma clara. Agora, no Missal, além do Cânon Romano, temos mais treze orações eucarísticas. Todas elas contém duas epícleses: uma sobre os dons antes da consagração, chamada epíclese consecratória e outra sobre a assembléia, depois da consagração, chamada epíclese de comunhão. Na primeira se pede que o Pai transforme as oferendas em Corpo e Sangue de Cristo, derramando sobre elas o Espírito Santo. Na segunda se pede que, comungando o Corpo sacramental de Cristo, os fiéis, repletos do Espírito Santo, se tornem um só corpo e um só espírito, ou seja, se transformem em Corpo eclesial de Cristo.
            A Igreja sempre professou de forma viva sua fé na presença e na ação do Espírito Santo na Eucaristia, muito embora a teologia manualística e até o mesmo o Concílio Vaticano II apresentem da Eucaristia quase que exclusivamente o aspecto cristológico. Apenas o Decreto sobre a Vida e o Ministério dos Presbíteros afirma que o pão eucarístico é a "carne vivificada e vivificante pelo Espírito Santo (PO 5). A relação entre Eucaristia e Espírito Santo, no entanto, é fundamental. Uma teologia atenta a todas as dimensões dos sacramentos não pode esquecê-la. A Bíblia é muito clara neste sentido. Jesus, quando os discípulos murmuravam e até se afastavam dele porque tinha prometido o seu Corpo e o seu Sangue como comida e bebida, procurou acalmá-los esclarecendo que não se tratava do seu Corpo e Sangue físicos, mas de seu Corpo e Sangue na condição de Cristo celeste, pneumatizado, glorioso junto do Pai: "O espírito é que vivifica, a carne de nada serve"(Jo 6,63). Numa interpretação deste texto, o teólogo anglicano Brett afirma: "A Igreja primitiva interpretava o sentido das palavras do Senhor "é o Espírito que vivifica,  a carne de nada vale" da seguinte maneira: a fim de que o Corpo e o Sangue do Senhor ao ser comido e bebido produza a vida eterna, é preciso que seu Espírito vivificante seja comunicado à Carne e ao Sangue, porque sem o Espírito a carne não atingirá sua finalidade".
            A ação do Espírito Santo na Eucaristia é também pregada pelo Apóstolo Paulo, quando interpreta como figuras da Eucaristia o maná do deserto e a água do rochedo chamando-os de "alimento e bebida espirituais"(1Co 10,3-4), isto é, possuídos pelo Espírito. Explicitando ainda mais o seu pensamento declara logo a seguir: "Todos temos bebido dum só Espírito"(1Co 12,13). É ainda o Apóstolo Paulo quem diz que pela celebração da Eucaristia anuncia-se a morte do Senhor até que ele venha (1Co 11,26). Ora, sabe-se que a volta de Cristo, no Apocalipse, é atribuída ao Espírito e à Esposa (Apc 22,17.20). É impossível, portanto, compreender a essência da Eucaristia sem esta referência direta ao Espírito Santo.


IX

            Mais ou menos no meio, a Oração eucarística se interrompe, transformando-se em relato. Trata-se do relato da instituição da Eucaristia na última Ceia. Esta mudança não acontece por nada. Ela quer significar que a Eucaristia não é da assembléia, nem do ministro. A ação de graças na qual o relato se insere é, antes de tudo, ação de graças de Cristo. Torna-se também nossa porque Cristo nos associa a ele. O verdadeiro presidente da Eucaristia não é o padre, mas o próprio Cristo. O padre, enquanto ministro ordenado, agindo em nome de Cristo cabeça, apenas proclama em nome da assembléia a ação de graças de Cristo ao Pai.
As palavras da instituição e consagração são idênticas em todas as Orações eucarísticas, exceto nas das missas com crianças. Para que elas possam distinguir melhor aquilo que se pronuncia sobre o pão e o vinho daquilo que se refere ao mandato de repetir a celebração, introduziu-se o inciso "E disse também", antes das palavras "Fazei isto em memória de mim". Nas missas com crianças inseriram-se ainda aclamações após as palavras do Senhor sobre o pão e sobre o vinho.
Os documentos da Igreja não se cansam de repetir que as palavras da instituição constituem ato essencial da Liturgia eucarística. Elas devem ser pronunciadas com grande humildade e simplicidade, de maneira compreensível, bela e digna, correspondente a sua santidade. Os gestos que acompanham devem ser feitos sem pressa, de forma recolhida e devota, de tal forma que expressem a grandeza do mistério que se está realizando (cf. Dominicae Cenae 9). O sacerdote ao pronunciá-las inclina-se levemente, em seguida mostra ao povo a hóstia consagrada e genuflecta para adorar. Repete os mesmos gestos nas palavras sobre o cálice (cf. MR 104 e 105). Na concelebração, se parecer oportuno, os concelebrantes estendam a mão direita para o pão e para o cálice. No momento da apresentação olham para a hóstia e para o cálice e depois inclinam-se profundamente (cf. IGMR 222c). A assembléia se ajoelha, a não ser que justas causas o impeçam. Mesmo assim, aqueles que não se ajoelham devem fazer inclinação profunda enquanto o sacerdote faz a genuflexão (cf. IGMR 43). "Um pouco antes da consagração, o ministro, se for oportuno, adverte os fiéis com um sinal de campainha. Faz a mesma coisa em cada elevação, conforme o costume da região. Se for usado incenso, ao serem mostrados ao povo a hóstia e o cálice após a consagração, o ministro os incensa" (IGMR 150).
Embora se dê todo este destaque para as palavras da instituição é bom esclarecer que elas não são consecratórias em si mesmas. Não podem por isso ser confundidas com fórmulas, ou palavras mágicas. Entre elas e as palavras da epíclese existe uma profunda unidade. Além do mais, fazem parte da Oração eucarística. Esta sim, toda ela consecratória. Recomenda-se por isso que "não se isole a narrativa da última ceia do resto da oração eucarística, como se fosse uma peça à parte" (CNBB, Guia Litúrgico Pastoral p. 27).
Não resta dúvida de que após as palavras da instituição o pão e o vinho já não são mais pão e vinho, mas Corpo e Sangue do Senhor. Por isso, tanto o sacerdote quanto os fiéis devem adorar Cristo realmente presente sob as espécies sacramentais. No entanto, a presença real de Cristo na hóstia consagrada não é estática. Cristo se faz presente, porque na Eucaristia ele se entrega em sacrifício ao Pai e nos associa nesta entrega. Por isso, antes da adoração, nosso primeiro sentimento e nossa melhor atitude devem ser a de comunhão com o Corpo e com o Sangue do Senhor (1Cor 10,16) que nos impele a sermos também nós "pão repartido" para vida do mundo. Por isso o Missal de Paulo VI já não fala de elevação das espécies consagradas, mas ordena que o sacerdote apenas mostre o pão e o cálice. Sua intenção é dizer que neste momento mais importante que adorar é fazer memória do sacrifício de Cristo. Nunca será demais dizer que a apresentação da hóstia e do cálice após a consagração não pode ser mais solene do que os gestos e as palavras do Senhor. Este não é o momento de jaculatórias de adoração tais como: graças e louvores se dêem a todo momento..., ou meu Senhor e meu Deus! Despropósito maior ainda é o de certos padres que permanecem por longo tempo ajoelhados no momento da genuflexão, ou saem pelo meio da igreja com a hóstia e o cálice para que o povo adore e toque as sagradas espécies.



X

            "Após a consagração, tendo o sacerdote dito: Eis o mistério da fé, o povo profere a aclamação, usando uma das fórmulas prescritas"(IGMR 151):
            "Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!"
            "Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos vossa vinda!"
            "Salvador do mundo, salvai-nos, vós que nos libertastes pela cruz e ressurreição" (MR 93; 106; 113; 122).
            "Toda vez que se come deste Pão, toda vez que se bebe deste Vinho, se recorda a paixão de Jesus Cristo e se fica esperando sua volta" (Or.Euc. V).
            Embora pareça, estas aclamações não são novidades absolutas. Elas aparecem em quase todas as liturgias do Oriente e na liturgia mozárabe, aqui no Ocidente.
            Aqui a Oração Eucarística é como que interrompida. Troca-se de destinatário. O presidente da celebração vinha se dirigindo ao Pai. Neste momento povo entra com a aclamação dirigindo-se a Cristo.
            O Missal diz que compete ao padre dizer: Eis o mistério da fé. As Comissões de Liturgia da Alemanha e dos Estados Unidos prevêem que seja dito pelo diácono. A Comissão da França não tem tanta segurança. Segundo os bispos franceses, recitar a expressão: Eis o mistério da fé "é função atribuída ao padre, no entanto, parece poder ser recitada ou cantada por um diácono". Esta fórmula, com efeito, apareceu, entre os séculos VII e VIII, no Cânon Romano como um acréscimo às palavras da narração da Ceia relativas ao cálice. "... Cálice do meu sangue, sangue da nova e eterna aliança, mistério da fé que é derramado por vós...". Teria sido uma proclamação diaconal dirigida à assembléia, atraindo a atenção para a ação sagrada a realizar-se sobre o altar, ou um  parênteses destinado a afirmar que a consagração se realiza pelas palavras da Instituição. Com a reforma, por sugestão do Papa Paulo VI, foi transferida para o fim da narração, como introdução à aclamação dos fiéis.
            Eis o mistério da fé pode dar a entender que se trata apenas do mistério da presença real de Cristo sob as espécies do pão e do vinho. A aclamação do povo, no entanto, alarga a visão. Trata-se da morte, da ressurreição e da vinda do Senhor no fim dos tempos. Ou seja, estamos aqui diante dos grandes mistérios da fé, das etapas mais importantes da economia da salvação. A estes mistérios somos associados, pois a Eucaristia é "a expressão sacramental mais completa da "partida" de Cristo, por meio do mistério da Cruz e da Ressurreição. Nela todas as vezes que é celebrada, realiza-se sacramentalmente, a sua vinda e a sua presença salvífica". Na Eucaristia, os primeiros cristãos reconheciam que "o seu Senhor Ressuscitado, que subira aos céus, voltava ao meio deles, na comunidade eucarística da Igreja e por meio dela" (Dominum et Vivificantem n.62).
O momento, portanto, não é de adoração a Cristo presente no pão e no vinho consagrados, mas de inserção na dinâmica do mistério pascal e com Cristo nos colocar em atitude de adoração ao Pai, com a disposição de, em tudo, fazer a sua vontade.



XI

            À aclamação anamnética segue a anamnese propriamente dita, quinto elemento da Oração Eucarística e coração da Eucaristia (cf. CIC 1106). Através dela, a Igreja, seguindo a ordem que recebeu de Cristo, seu Senhor, faz memória do próprio Cristo, relembrando principalmente a sua bem-aventurada paixão, a gloriosa ressurreição e a ascensão aos céus (IGMR 79e).
            Anamnese é uma palavra grega, mas seu significado vem da fé do povo hebreu. Sua raiz encontra-se na cerimônia de Páscoa do povo ao sair do Egito e na ordem de celebrá-la cada ano como um memorial (cf. Ex 12,1-14).
            Anamnese ou memorial é, portanto, um ato de culto em que, apoiando-nos num fato passado, celebramos sua atualidade e sua atualização, ao mesmo tempo que proclamamos seu futuro totalmente realizado. Sem empregar a palavra, São Paulo exprime de forma magistral o seu conteúdo: "Todas as vezes, pois, que comeis deste pão e bebeis deste cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha" (1Co 11,26). 
            No ritual da Páscoa judaica, o filho mais jovem pergunta ao pai: "Por que esta noite é diferente de todas as outras noites?"(cf. Ex 12,26). O pai responde contando toda a história da libertação do Egito (cf. Dt 26,5s) e conclui valendo-se de uma admoestação atribuída ao rabino Gamaliel: "De geração em geração cada um é obrigado a ver-se a si próprio como tendo ele mesmo saído do Egito... O Santo - bendito seja ele - não remiu só os nossos pais, mas também remiu a nós com eles...".
            A Eucaristia foi instituída no contexto de uma Ceia Pascal. Cristo, quando ordenou a seus discípulos para que fizessem em sua memória o que ele acabava de fazer, estava pensando como um fiel e piedoso judeu e os discípulos também entenderam como bons e piedosos judeus.
Cesare Giraudo explicando este conceito de anamnese assim se epressa: "Se Jesus não tivesse instituído a Eucaristia, o evento de sua morte e ressurreição teria permanecido isolado nas coordenadas espaço-temporais em que viveu e a Igreja das gerações subseqüentes, que somos nós, não teria tido maneira de voltar a imergir salvificamente na morte-ressurreição de Jesus [...]. Celebrar a Eucaristia quer dizer comungar com o Vivente, que continua a dar-se a nós no sinal de sua morte, para permitir-nos ser re-apresentados sacramentalmente à eficácia redentora do único sacrifício. Segue-se daí que devemos nos sentir teologicamente em movimento toda vez que nos aproximamos da comunhão. Devemos habituar-nos a tomar consciência do movimento sempre mais intenso de nossos pés teológicos. Enquanto os pés físicos continuam a deter-nos na igreja, os pés da fé eucarística nos transportam lá para o Calvário, para imergir-nos ainda uma vez na morte do Senhor Jesus, lá para diante da tumba do Ressuscitado, para ressurgir ainda uma vez com ele para uma existência relacional sempre nova, já que nossa missa é todo o Calvário, é todo o fulgor da manhã de Páscoa" (Num só corpo. Tratado mistagógico sobre a eucaristia, Ed. Loyola, pp. 87 e 91).
Portanto, quando dizemos que na Missa recordamos a Paixão, a Morte e a Ressurreição do Senhor, sempre é bom reafirmar que não se trata de recordação, no sentido de crônica histórica ou de simples comemoração psicológica e emocional, mas de envolvimento existencial e salvífico naqueles acontecimentos. Como dizia D. Helder Câmara, trata-se de ir ao Calvário e ao sepulcro vazio. Trata-se de ressuscitar em Cristo e com Cristo.



XII

            A oblação é o sétimo elemento da Oração Eucarística e está intimamente conexa com a anamnese, como se pode deduzir de todas as Orações Eucarísticas. "Celebrando a memória... nós oferecemos" ao Pai, no Espírito Santo, o Corpo e o Sangue de Cristo, hóstia imaculada, sacrifício de vida e santidade, memória de nossa redenção. Temos aqui uma expressão muito clara do caráter sacrificial da Eucaristia. Por isso, não têm razão os que acusam o Missal de Paulo VI de ter dado relevo apenas ao aspecto comemorativo da Eucaristia. Os que assim pensam, demonstram falta de compreensão a respeito do que seja memória ou memorial. Quando o Concílio de Trento condenou com anátema os que diziam ser a Eucaristia "simples comemoração" (DS 1753), pretendia apenas condenar uma concepção falsa e restritiva de memorial.
Memória ou memorial na Bíblia e na Liturgia não é uma simples recordação subjetiva, como seria, por exemplo, o ato devocional da via-sacra ou do rosário. É, antes, uma celebração ritual e objetiva que re-apresenta ou re-atualiza o passado, não permitindo que seja totalmente passado. Pelo contrário, abre-lhe a possibilidade de continuar permanentemente e eficazmente presente.
Como afirma o Catecismo da Igreja Católica "Por ser memorial da páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício.[...]. A Eucaristia é, portanto, um sacrifício porque representa (torna presente) o Sacrifício da Cruz, porque dele é memorial"(CIC 1365-1366). João Paulo II expressa este ensinamento da seguinte forma: "Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e 'realiza-se também a obra de nossa redenção". Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do gênero humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de ter deixado o meio para dele participarmos como se tivéssemos estado presentes" (EE 11). Portanto, sob um aspecto, a Eucaristia é sacrifício relativo, ou seja, é sacrifício porque faz memória do Sacrifício da Cruz, sob outro aspecto, é sacrifício absoluto porque não é uma simples recordação subjetiva.
            Esta doutrina, como já foi dito, aparece com toda nitidez em cada uma das quatorze Orações Eucarísticas, especialmente no momento da oblação.
            Nossa oblação, no entanto, não é só do sacrifício do Corpo e Sangue de Cristo. Não podemos oferecer Cristo sem nos oferecer também. Ao oferecer Cristo, que é a Cabeça, é preciso oferecer o Corpo que somos nós. O Concílio Vaticano II possui textos magníficos a este respeito. Citemos apenas três:

            Aprendam (os fiéis) a oferecer-se a si próprios oferecendo a hóstia imaculada, não só pelas mãos do sacerdote, mas também juntamente com ele (SC 47).
           
            Assim todas as suas obras, preces e iniciativas apostólicas, vida conjugal e familiar, trabalho cotidiano, descanso do corpo e da alma, se praticados no Espírito, e mesmo os incômodos da vida pacientemente suportados, tornam-se "hóstias espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo"(1Pd 2,5), hóstias que são piedosamente oferecidas ao Pai com a oblação do Senhor na celebração da Eucaristia (LG 34).

            Por isso, ensinam os Presbíteros os fiéis a oferecer a divina vítima no Sacrifício da Missa a Deus Pai e a fazer com ela o oferecimento de sua vida (PO 5).

            Temos aqui o fundamento da espiritualidade litúrgica e eucarística. A missa não é oferecimento de dons ou atitudes pessoais, mas a oferta do sacrifício de Cristo na Cruz ao qual nós nos associamos como, de forma tão bela, se expressa na III Oração Eucarística:

            Olhai com bondade a oferenda da vossa Igreja, reconhecei o sacrifício que nos reconcilia convosco [...]. Que ele faça de nós uma oferenda perfeita para alcançarmos a vida eterna.



XIII

            As intercessões e comemoração dos santos e santas constituem  o sétimo elemento da Oração Eucarística. Por elas "se exprime que a Eucaristia é celebrada em comunhão com toda a Igreja, tanto celeste como terrestre, que a oblação é feita por ela e por todos os seus membros vivos e defuntos" (IGMR 79g).
            Embora muito antigas, as intercessões não fazem parte da estrutura primitiva da Oração Eucarística mas, a ela se juntaram posteriormente (Cat. das Or. Euc., 2b). Têm, por isso, valor secundário e seu posicionamento é variado (Carta Eucharistiae Participacionem 9). Na Oração Eucarística I elas aparecem antes e depois da narração da Ceia, enquanto que nas demais vêm após o relato da instituição. "Na celebração de algum rito sacramental, consecratório, ou de benção, dir-se-ão de harmonia com a estrutura de cada Oração Eucarística, utilizando os formulários que vêm no Missal ou nos outros livros litírgicos"(CB 156). Em nota, o Cerimonial dos Bispos trás o seguinte esclarecimento: "As intercessões especiais no Missal Romano são:1) Na Oração Eucarística I: a) No "Memento" dos vivos: pelos padrinhos, celebração dos escrutínios e ao ministrar o batismo; b) No "Aceitai benignamente": pelos que vão ser batizados, pelos neófitos, pelos crismados, pelos diáconos, presbíteros e bispos ordenados, pelos esposos, pelas virgens consagradas, pelos religiosos (as) professos, na dedicação da igreja; 2) Nas outras Orações Eucarísticas: pelos defuntos,  pelos neófitos, pelas virgens consagradas, pelos religiosos (as) professos, na dedicação da igreja.
            A primeira intercessão é pela unidade da Igreja. Existe um vínculo muito estreito entre Eucaristia e unidade da Igreja. Ao mesmo tempo que é expressão, a unidade da Igreja é fruto da participação na Eucaristia. Daí a prioridade deste pedido. Aqui nosso coração transcende os limites da Assembléia que celebra e vai até os irmãos de outras Igrejas cristãs, desejando ardentemente o dia em que poderemos celebrar juntos a divina Eucaristia.  No momento, infelizmente ainda não podemos fazer, pois "a comunhão eucarística e a comunhão eclesial se interpenetram tão intimamente que se torna geralmente impossível aos cristãos não católicos terem acesso a uma sem gozar da outra"(SaC 56).
            Em seguida se intercede pela Igreja em toda a sua extensão e plenitude. Ninguém é esquecido, desde a sua mais alta hierarquia até o mais humilde dos fiéis, inclusive aqueles que não são contados oficialmente mais que de fato são, pois ",procuram a Deus de coração sincero" (IV Or. Euc.). Aqui o nosso coração se alarga mais ainda e chega até os irmãos das muitas religiões não cristãs, os que Rahner cunhou de "cristãos anônimos".
Com este olhar bem largo, se pede para que "à luz da fé saibamos reconhecer os sinais dos tempos, empenhando-nos de verdade no serviço do Evangelho e também para que possamos partilhar as dores e as angústias, as alegrias e as esperanças de todos (Div. Circuns. III); para que de olhos abertos às necessidades e aos sofrimentos dos irmãos e irmãs sejamos testemunhas da verdade e da liberdade, da justiça e da paz(Div. Circuns. IV);
            Santos e defuntos também são Igreja. Entre eles e nós se dá o que chamamos de comunhão dos santos. Sabedora desta comunhão a Igreja recorda os defuntos e por eles oferece sufrágios. Para os que perguntavam a respeito desta prática, já no século IV respondia São Cirilo de Jerusalém:
            Sei que muitos dizem: "Que aproveita à alma que parte deste mundo com faltas ou sem elas, ser eventualmente mencionada na oferenda eucarística"? Vejamos: se acaso um rei banir os que se revoltaram contra ele e, em seguida, os seus companheiros, tecendo uma coroa, a oferecerem ao rei em favor dos condenados, não é verdade que lhes concederá o perdão do castigo? Do mesmo modo também nós, oferecendo orações a Deus pelos defuntos, mesmo pecadores, não lhe tecemos uma coroa, mas oferecemos-lhe Cristo imolado pelos nossos pecados, procurando conciliar a clemência de Deus em nosso favor e em favor deles.
            Com a comemoração dos santos e santas recordamos aqueles que já alcançaram o que nós, em nossa peregrinação terrestre, ainda continuamos esperando e pedindo: participar com os homens e as mulheres de todas as classes e nações, de todas as raças e línguas, da ceia da comunhão eterna (Reconc. II).



XIV

            A Oração eucarística termina com uma fórmula de louvor, chamada doxologia final, à qual todo o povo responde com a aclamação: Amém (Cat. das Or. Euc. 2,5). É proferida apenas pelo presidente da celebração, ou por todos os concelebrantes juntamente com o presidente (CB 158). Embora a Instrução Inter Oecumenici oriente que seja cantada (IO 48 f), alguns liturgistas pensam o contrário. Segundo eles, seria uma forma de privilegiá-la, além de induzir ao erro de se pensar que não faz parte da Oração eucarística Enquanto canta ou profere a doxologia, o sacerdote ergue o cálice e a patena (MR 100). Nas missas com a presença do diácono, o sacerdote eleva a patena com a hóstia, enquanto o diácono eleva o cálice com o vinho (IGMR 180). Na Igreja primitiva, era a única elevação que se realizava na missa. Com o tempo, foi diminuindo de importância, por causa da elevação, após as palavras da instituição, introduzida na Idade Média. A reforma do Concílio Vaticano II, a trouxe de volta. Por isso deve ser feita com solenidade e sem nenhum apressamento.
Pela doxologia final, no dizer do Papa João Paulo II, consciente de que todas as coisas foram criadas por meio de Cristo (Cl 1,16; Jo 1,3) e por ele reconciliadas, a comunidade cristã é convidada  a dar graças e a glorificar a Deus "por Cristo, com Cristo, e em Cristo, na unidade do Espírito Santo" (DD 42).
A doxologia termina com o Amém do povo. É o Amém mais importante da missa (ID 4). Através dele a assembléia ratifica toda a Oração eucarística formulada em nome da Igreja  pelo sacerdote (Carta Eucharistiae Participationem 11).
Este Amém é muito antigo. O que a seu respeito ensinam hoje os documentos da Igreja já fora dito por Santo Agostinho que foi bispo no norte da África, durante o  século V. Para ele, dizer Amém era como subscrever um documento, ou seja, conferir validade ao ato que acabava de ser feito pelo presidente da celebração (Sermões 6; 27 e 272). Só se assina um documento depois de conhecer seu conteúdo. Da mesma forma, só se diz Amém quando se conhece o seu sentido e significado. Daí a necessidade da catequese litúrgica "para que o povo diga Amém ao que entende perfeitamente" (A Inst. dos Catecúmenos, 1,9,13).
Segundo Eusébío de Cesarea, primeiro historiador da Igreja,  pronunciar o Amém durante a celebração era um dos critérios para se saber se alguém era ou não verdadeiro cristão (Hist. Ecl. 7,9,4). O povo, por sua vez, proferia o Amém com muito vigor. Segundo o monge São Jerônimo, contemporâneo de Santo Agostinho, em Roma, ele ribombava como trovão (Com. à Carta aos Gálatas, 2,3).
Na tentativa de resgatar este espírito testemunhado por São Jerônimo, as normas litúgicas pedem que o Amém seja valorizada com o canto (ID 4). Sendo uma palavra de apenas duas sílabas não contém material e tempo suficiente para expressar a importância que tem. Para superar esta dificuldade os músicos sugerem que seja repetido mais vezes para que, musicalmente, de fato "aconteça".



XV

            O Rito de Comunhão constitui a última parte da liturgia eucarística. Corresponde ao gesto de partir o pão e de distribuí-lo aos discípulos, feito por Jesus na última Ceia. Conforme o testemunho de São Justino que morreu no ano 150 a Comunhão acontecia imediatamente após o Amém que concluía a Oração Eucarística.
            Depois de terminada, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o povo exclama: "Amém". Vem depois a distribuição e participação feita a cada um dos alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos diáconos (Apologia I, 67).
Com o tempo o Rito de Comunhão foi sendo acrescido de orações e gestos simbólicos. Hoje, compõe-se de três momentos: ritos de preparação (Pai-nosso, antecipado por uma monição e seguido de um embolismo, oração e abraço da paz, e fração do pão, acompanhado do canto "Cordeiro de Deus); ritos de realização (oração em silêncio feita pelo presidente, elevação da hóstia sobre a patena acompanhada de uma monição evangélica, ato de comer o pão e beber do cálice, e procissão acompanhada do canto de comunhão); ritos de conclusão (momento de silêncio, ou recitação de um salmo, ou um canto de louvor, e oração de pós comunhão).
No século IV, com toda certeza, o Pai-nosso já fazia parte do Rito de Comunhão. São muitos os testemunhos sobre este tema.
Depois disso, (da Oração eucarística) tu dizes aquela oração que o Salvador transmitiu aos discípulos (Cirilo de Jerusalém, Catequeses Mist. V,11)
Logo, pois, que se terminou a santificação, rezamos a Oração do Senhor (S. Agostinho, Sermão 227).
            A inserção do Pai-nosso entre as orações de preparação à comunhão fundamenta-se provavelmente na relação que, desde os tempos de Tertuliano e de S. Cipriano, se viu entre o pão cotidiano que se pede no Pai-nosso e o pão da Eucaristia.
            Na verdade, devemos entender, antes, em sentido espiritual o pedido: "Daí-nos hoje o nosso pão cotidiano". O Cristo, com efeito, é nosso pão, porque o Cristo é vida, e o pão também é vida. Aliás, ele disse: "Eu sou o pão da vida" (Jo 6,35), e um pouco antes: O pão é a Palavra do Deus vivo, que desceu do céu (cf. Jo 6,32). Ademais, como ele disse""Isto é o meu corpo" (Lc 22,19), cremos que o seu corpo está presente no pão. Assim pedindo pão cotidiano, rogamos a Deus viver sempre em Cristo e inseparáveis do seu corpo (Tertuliano, A Oração, 6,2).
            Prosseguindo a oração dizemos '"O pão nosso de cada dia nos daí hoje". Podemos tomar este pedido tanto no sentido espiritual como no literal, pois um e outro modo de entender aproveitam, com utilidade divina, para a nossa salvação. Pois o Cristo é o pão da vida, e este pão não é de todos mas nosso. E assim como dissemos: "Pai-nosso, porque é Pai dos que entendem e crêem, dizemos também: "pão nosso", porque é pão para aqueles que comem o seu Corpo. E pedimos que este pão nos seja dado diariamente a fim de que nós que estamos no Cristo e recebemos diariamente a Eucaristia como alimento de salvação, não venhamos a ser separados do Corpo do Cristo (S. Cipriano, A Oração do Senhor, 18).


XVI

Outro motivo pelo qual o Pai-nosso encontra-se entre as orações de preparação à comunhão é, sem dúvida, a invocação: “Perdoai-nos as nossas ofensas...”. Neste sentido escreve S. Agostinho: Por que motivo a dizemos antes de receber o Corpo e o Sangue de Cristo? Porque assim o pede a fragilidade humana: a nossa mente pode ter concebido o que não devia, a língua pode ter dito o que não convinha, os olhos podem ter-se fixado onde não queriam...; se por acaso contraímos outras manchas, fruto da tentação desde mundo e da fragilidade da vida humana, limpamo-las com a Oração dominical, ao dizermos: Perdoai-nos as nossas ofensas. Deste modo aproximamo-nos com a esperança de que não comemos nem bebemos para nossa condenação aquilo que recebemos (Sermão 229,3 = Denis 6). Num outro sermão S. Agostinho afirma que ao recitar o Pai-nosso, nós nos lavamos o rosto antes de comungar e receber o Corpo e o Sangue de Cristo (Sermão 17,5). Por isso, em Hipona, sacerdotes e fiéis, ao pronunciar a invocação do perdão, se batiam no peito (Sermão 351,3.6).  O mesmo ensinamento é também expresso por S. João Crisóstomo: Reconciliemo-nos mutuamente e façamos desaparecer a inimizade que existe entre nós[...]. Se fizermos isto, poderemos aproximar-nos de coração limpo desta mesa santa e venerável e dizer com toda confiança as palavras da Oração (Hom. sobre o Gênesis 27,9). Tenha-se em conta que na Igreja primitiva, até o século VI, eram submetidos ao sacramento da penitência, apenas os pecados de assassinato, apostasia e adultério. Os demais pecados eram absolvidos por outros gestos e orações, inclusive pelo Pai-nosso. Esta interpretação é também retomada pela Instrução Geral do Missal Romano com estas palavras: Na Oração do Senhor pede-se o pão de cada dia, que lembra para os cristãos antes de tudo o pão eucarístico, e pede-se a purificação dos pecados, a fim de que as coisas santas sejam verdadeiramente dadas aos santos (IGMR 81).
O Pai-nosso pode ser rezado em voz alta ou cantado (IGMR 81). Se for cantado, recomenda-se que seja por todos ou pela maioria. Embora o canto seja muito apto para expressar a solidariedade cristã e a comunhão entre irmãos, a recitação pode suscitar uma participação mais intensa de toda a assembléia, até mesmo dos afônicos e desafinados, bem como dos que estão de passagem e não conhecem a melodia do canto.
Os bispos do Brasil lembram que “ por ser a Oração que o Senhor nos ensinou, não deve ser nunca substituída por outros cantos” (Doc 43, 310).
“O sacerdote profere o convite e todos os fiéis recitam a oração com o sacerdote” (IGMR 81), inclusive as duas primeiras palavras: “Pai nosso”. Infelizmente, na maioria das vezes, o padre faz a monição e imediatamente encadeia a oração, sem dar à assembléia a possibilidade de recitá-la desde o início.
As rubricas não prevêem nenhum gesto para a assembléia, mas também não proíbem. O sacerdote, por isso, pode ter a liberdade de sugerir. Por exemplo: mãos erguidas para o céu para expressar nossa atitude filial para com Deus, nosso Pai; ou mãos dadas para expressar nossa solidariedade para com os irmãos e irmãs.
O missal apresenta cinco fórmulas de monição para o Pai-nosso. Todas muito ricas de significado. Além disso, é permitido ao sacerdote formular outras com suas próprias palavras. Pode por exemplo relacionar este momento com a liturgia da Palavra, especialmente com o Evangelho do dia. Deve cuidar, no entanto, para ser breve (IGMR 31).



XVII

            O Rito da Paz constitui o segundo momento de preparação à Comunhão, tanto na missa, quanto na celebração dominical da Palavra (DCDAP 48).  Por meio dele “a Igreja implora a paz e a unidade para si mesma e para toda a família humana e os fiéis exprimem entre si a comunhão eclesial e a mútua caridade, antes de comungar do Sacramento” (IGMR 82). Segundo João Paulo II, “é um gesto particularmente expressivo, que os fiéis são chamados a realizar como manifestação do consenso que o povo de Deus presta a tudo o que se realizou na celebração, e do empenho de amor recíproco que se assume ao participar do único pão” (DD 44). No Brasil, “nossas comunidades, de forma muito espontânea, acolheram e perceberam o rito de saudação da paz como momento de confraternização alegre em Cristo. É momento privilegiado para realçar o compromisso da comunicação da paz a todos indistintamente. Paz recebida como dom” (AVLB 312)
            O Rito da Paz consta de três elementos:
            - Oração do Presidente: “Senhor Jesus Cristo, dissestes aos vossos Apóstolos: eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz....”. Esta oração foi composta por volta do século XI. Era recitada apenas pelo presidente da celebração, em voz baixa, como preparação pessoal à comunhão. Com a reforma do Concílio Vaticano II, por desejo expresso do Papa Paulo VI, passou a ser uma oração presidencial, dita em nome de toda a assembléia. Segundo P. Jounel, o Papa quis dar-lhe um alcance ecumênico, por causa de sua conclusão: “não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima a vossa Igreja; dai-lhe, segundo o vosso desejo, a paz e a unidade”.
            - Saudação-anúncio de paz: “A paz do Senhor esteja sempre convosco”. Trata-se, portanto, da paz que o Senhor nos concedeu como dom pascal (cf. Jo 20,21) e não de uma paz meramente humana, psicológica ou social, conquistada através do nosso esforço. Só Cristo “é a nossa paz”. Foi ele quem de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava (cf. Ef 2,14).  Este é o momento central do Rito da Paz. O Missal prevê que seja cantado. Convém, por isso, que lhe seja dada a maior expressividade possível.
            - Abraço da paz: O convite é feito pelo diácono, ou na sua ausência, pelo próprio presidente da celebração ou por um dos concelebrantes (IGMR239). Na verdade é mais do que um convite. É uma ordem: “Irmãos e irmãs, saudai-vos em Cristo”. Trata-se, portanto, de um gesto eficaz, performativo e não apenas manifestativo. O modo de realizar deve ser estabelecido pelas Conferências Episcopais, atendendo à índole e os costumes dos povos. Pede-se, porém, que seja de forma sóbria e apenas aos que estão próximos (IGMR 82). Embora deva ser feito com alegria e sorriso nos lábio, com certeza, não é um momento de “recreio”. A CNBB decidiu que fosse feito por cumprimento entre as pessoas do modo como elas se cumprimentam em qualquer lugar público. Não existe uma fórmula de saudação. O Cerimonial dos Bispos sugere aquela clássica: A paz esteja contigo (CB103). Entre nós introduziu-se o costume de acompanhar a saudação com um canto. Não é uma total novidade, pois no rito mozárabe existe esta prática. No entanto, o canto, neste momento, não é de todo conveniente, mormente se o texto, como soe acontecer, não expressa o verdadeiro sentido do rito cristão. O abraço da paz não é obrigatório. O Missal diz: “se for oportuno”. O Papa Paulo VI, no entanto, teria desejado o contrário. Em suas observações às propostas da Comissão responsável pela reforma do Missal, se perguntou: Tirar o “se for oportuno?”.  Sem dúvida, este é um gesto de grande significado. Por isso, algumas Conferências Episcopais legislaram que seja omitido apenas quando houver sérios inconvenientes.



XVIII


A fração do pão é terceiro rito de preparação à Comunhão. Embora, ordinariamente não lhe sejam dadas a importância e a relevância que merece, trata-se de um rito de profundo valor simbólico e sacramental, ou seja, trata-se de uma das ações que constituem o núcleo sacramental da Eucaristia. Foi o gesto feito por Cristo na Última Ceia (Mt 26,26-28; Mc 14,22-24; Lc 22,19-20; 1Co 11,23-25), foi também o gesto com que os discípulos de Emaús reconheceram o Ressuscitado (Lc 24,30.35). Nos tempos apostólicos, a expressão “fração do pão” foi usada para significar toda a celebração eucarística (At 2,42.46; 20,7.11; 1Co 10,16). Por causa de sua importância, deve ser realizado pelo presidente da celebração, ajudado, se for caso, pelo diácono ou por um dos concelebrantes (IGMR 83).
A fração do pão tem sua origem na liturgia judaica, especialmente na ceia pascal, onde o pai de família pronunciava uma bênção, partia o pão e o distribuía entre os seus convivas. Como já vimos Jesus praticou o mesmo gesto na Última Ceia e os discípulos, atendendo sua ordem, continuaram a fazê-lo em sua memória.
Nos primeiros séculos acontecia imediatamente após a Oração Eucarística, conforme a seqüência dos atos realizados por Jesus que tomou o pão e, depois dar graças o partiu.
Sabe-se que até o século VII continuava sendo um rito muito solene, acompanhado por todos os participantes com um canto, o “Cordeiro de Deus”. A partir do século XII, com a introdução das hóstias pequenas para os fiéis, a pouca participação do povo na comunhão e a prática de comungar fora da missa, a fração do pão foi perdendo sua importância e se degradando num conjunto de meras cerimônias, ou em vazias exortações como a que o bispo fazia ao neo-presbítero no dia de sua ordenação: Antes de celebrar a Eucaristia deves aprender diligentemente de outros sacerdotes doutos o conjunto dos ritos da missa, a maneira de consagrar e o modo de fazer a fração do pão...
  A reforma litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II, em suas orientações, voltou a dar-lhe grande importância. Na prática, porém, o rito continua sem força simbólica e sem chamar atenção da maioria dos fiéis.
Sem excluir as hóstias pequenas, quando o número de comungantes ou outras razões pastorais exigirem, o Missal pede que a matéria da celebração eucarística se pareça realmente um alimento. Em outras palavras, que seja pão também na aparência. A distinção entre hóstia grande para o padre e hóstias pequenas para o povo sugere dois tipos de comunhão: uma importante, a do padre que não pode faltar e outra menos importante, a do povo que não faria falta se, por acaso, não fosse feita. A força e a importância do sinal exigem inclusive a abolição da patena pequena. Todas as hóstias devem ser colocadas numa única bandeja O pão deve ser de fato partido em diversas partes e distribuído ao menos a alguns dos fiéis. Trata-se de partir para repartir. Fica, por isso, abolido o costume de somente o presidente comungar da hóstia grande. Alguns sacerdotes, ao apresentar a hóstia ao povo, unem de novo as duas metades. Esta prática faz da fração do pão uma mera cerimônia. Fica também abolida a prática de distribuir a comunhão com hóstias já consagradas. Inicia-se a fração do pão depois do abraço da paz, durante o canto do Cordeiro de Deus. “Na estrutura da Ceia, é aqui o lugar próprio da fração como gesto ritual de fazer o que Cristo fez e não durante a Narrativa da Instituição” (AVLB 315).
Todas esta orientações encontram-se na Instrução Geral do Missal Romano que pelo menos em três momentos faz questão de explicitar o significado do rito:
Pela fração do pão e pela comunhão, os fiéis, embora muitos, recebem o corpo e o sangue do Senhor de um só pão e de um só cálice, do mesmo modo como os apóstolos, das mãos do próprio Cristo (IGMR 72)
O gesto da fração[...] significa que muitos fiéis, pela comunhão no único pão da vida, que é o Cristo, morto e ressuscitado pela salvação do mundo, formam um só corpo (1Co 10,17) (IGMR 83).
O gesto, porém, da fração do pão, [...], manifestará mais claramente o valor e a importância do sinal da unidade de todos em um só pão e da caridade fraterna, pelo fato de um único pão ser repartido entre os irmãos (IGMR 321).



XIX

Durante a fração do pão, como já foi dito, a assembléia canta o Cordeiro de Deus, prece de origem bíblica dirigida a Cristo, Cordeiro pascal que se imola pelos seus e tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29.36; 1Co 5,7; 1Pd 1,18-19; Apc 5,6.12; 19,9).
Seu objetivo é acompanhar o gesto da fração do pão. Por isso pode ser repetido enquanto durar o rito. “A última vez conclui-se com as palavras: Dai-nos a paz” (IGMR 83). É um canto em forma de ladainha. Deve ser entoado por um solista ou grupo de cantores e respondido pela assembléia. O que preside está autorizado a recitá-lo somente nas missas sem participação do povo (IGMR 267). Não pode ser substituído por outro canto (IGMR 366), exceto nas missas com crianças onde é permitido usar traduções populares, mesmo que não estejam de acordo com o texto oficial (DMC 31).
Não se sabe quando o Cordeiro de Deus passou a integrar a celebração eucarística. O primeiro documento a respeito é uma determinação do Papa Sérgio I, cujo pontificado durou de 687 a 701. Naquela época a fração do pão era um rito solene e prolongado. A assembléia participava da comunhão em grande número. O pão não era ázimo nem estilizado como hoje. Vários ministros eram envolvidos no rito. Não convinha por isso que o povo ficasse em silêncio, como simples expectador.
No século IX, Floro de Lião, em sua obra De expositione missae faz o seguinte comentário: ”Entre estas coisas todos cantam e cantando rezam dizendo:  Cordeiro de Deus tirais o pecado do mundo...Quando derramou por nós o seu sangue na cruz, ou quando cada um de nós foi lavado no mistério de sua paixão pelo batismo de água, então verdadeiramente, foram tirados os pecados do mundo, e continua a lavar-nos dos nossos pecados cotidianos no seu sangue, quando, no altar, fazemos memória da sua santíssima Paixão”.
A partir do século X, o povo já não comunga mais em todas as missas. Aliás, deixa de comungar. Desde então não havia necessidade de partir o pão e conseqüentemente o rito perdeu sua importância. Converteu-se em mera cerimônia. O Cordeiro de Deus passa por isso a ser recitado somente pelo sacerdote, como se fosse uma espécie de ato de contrição feito antes da comunhão.
O Concílio Vaticano II reconhece que, com o decorrer do tempo, alguns ritos foram adulterados por outros que não correspondem à natureza íntima da Liturgia, e determina que sejam restaurados (SC 21). À luz desta orientação, o Missal Romano retorna ao sentido original do Cordeiro de Deus estabelecendo que seja cantado pelo povo durante a fração do pão. Para deixar bem clara esta orientação o Missal Romano lembra também que a matéria da celebração eucarística deve parecer realmente um alimento e que, na missa com o povo, o sacerdote possa de fato partir a hóstia em diversas partes e distribuí-las ao menos a alguns dos fiéis. Orienta ainda que as hóstias pequenas somente sejam usadas se o exigirem o número de fiéis e outras razões pastorais (IGMR 321).
Infelizmente esta orientação ainda na foi “recebida”. Talvez por causa do tipo de pão, talvez por causa do hábito, talvez ainda, por falta de formação, o rito da fração do pão continua sem expressão e o canto do Cordeiro de Deus continua sendo omitido ou substituído por outro que nada tem a ver com o rito.


XX

            A celebração eucarística atinge seu ponto mais alto no momento da distribuição e recepção das sagradas espécies do pão e do vinho, o Corpo e o Sangue de Cristo. Por este gesto se concretiza o mandamento do Senhor: “Tomai e comei isto é o meu Corpo que será entregue por vós”, “Tomai e bebei isto é o cálice do meu Sangue...que será derramado por vós...”. Comendo do pão e bebendo do cálice anunciamos a morte do Senhor e proclamamos sua ressurreição (aclamação anamnética, cf. 1Co 11,26). Segundo, bons exegetas, anunciar a morte e proclamar a ressurreição do Senhor, não significa uma simples recordação psicológica, mas uma volta real, embora mística àqueles acontecimentos.
Celebrando a eucaristia, recebendo a comunhão, todo o domingo ou todo o dia vamos ao Calvário e ao sepulcro vazio: não vamos fisicamente, mas no memorial, mediante a retomada ritual do signo profético do pão e do cálice, por meio de uma ação prefigurativa e, portanto, sacramental e, por isso, absolutamente real (C. Giraudo).
            Para expressar realidade tão profunda, a liturgia romana reservou algumas orações e alguns ritos muito simples.
a)      Oração em silêncio: “O sacerdote prepara-se por uma oração em silêncio para receber frutuosamente o corpo e o sangue de Cristo. Os fiéis fazem o mesmo, rezando em silêncio” (IGMR 84).
Para o sacerdote o Missal Romano apresenta duas opções. São orações com forte tom penitencial, resquício dos tempos medievais. Para os fiéis não foi previsto nenhum formulário. Eles podem ficar simplesmente em silêncio, o que é preferível, tendo em conta o caráter comunitário do silêncio. Mas, podem também fazer alguma oração mental ou em voz baixa, expressando seus sentimentos e sua fé.
b)      Apresentação da hóstia sobre a patena ou sobre o cálice: “A seguir, o sacerdote mostra aos fiéis o pão eucarístico sobre a patena ou sobre o cálice e convida-os ao banquete de Cristo; e, unindo-se aos fiéis, faz um ato de humildade, usando as palavras prescritas do Evangelho” (IGMR 84).
Alguns sacerdotes costumam dizer: “Felizes somos nós os convidados para a Ceia do Senhor” (“para o Banquete nupcial do Cordeiro”, primeira opção alternativa). Com todo o respeito à reta intenção, é preciso constatar que eles cometem um grave erro. Empobrecem e reduzem o significado da fórmula proposta pelo Missal que tem perspectiva universalista e includente. O contexto do Apocalipse (19,9) e do Evangelho de Lucas (14,15-24) que inspiram a fórmula refere-se a uma grande multidão, especialmente de pobres, aleijados, cegos e coxos, já que os primeiros convidados tinham rejeitado o convite para sentarem-se à mesa do Reino.
A edição brasileira apresenta mais quatro fórmulas, todas muito profundas e inspiradas em textos bíblicos.
1) Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.
2) Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele.
3) Provai e vede como o Senhor é bom; feliz de quem nele encontra seu refúgio
4) Eu sou o Pão vivo, que desceu do céu: se alguém come deste Pão viverá eternamente.
Embora estas fórmulas não sejam antecipadas pela expressão: “Pode-se usar estas palavras ou outras semelhantes”, nada impede que o sacerdote retomando uma antiga tradição romana que relaciona a Palavra proclamada e a sua interiorização plena no banquete eucarístico, crie outras fórmulas calcadas no Evangelho do dia. Por exemplo: no Quinto Domingo da Páscoa seria razoável escutar o seguinte convite: “Eu sou o caminho a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Ano A). “Eu sou a videira, vos os ramos. Quem permanece em mim eu nele, produz muito fruto” (Ano B). “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Ano C).
Aqui se deve ter muito cuidado para não transformar a fórmula ritual em discurso exortatório.



XXI

Como a procissão de entrada e a procissão das oferendas, a procissão de comunhão também termina com a oração do presidente que, em nome da assembléia, implora os frutos do mistério celebrado (cf. IGMR 89). O povo faz sua esta oração por meio da aclamação: Amém.
            Deste o século IV existem testemunhos a respeito da oração depois da comunhão. Por ser uma oração presidencial, deve ser proferida em voz alta e clara a fim de ser escutada por todos com atenção. Por isso, enquanto está sendo proferida, não pode haver canto, nem toque de instrumento musical (IGMR 32). Nas missas presididas pelo bispo, mesmo que não celebre a Eucaristia, é ele quem profere esta oração, no altar ou na cátedra (CB 184).
            São muitos os frutos da eucaristia, por isso, os pedidos na oração depois da comunhão são inúmeros, quase sempre relacionados com a festa ou mistério celebrado naquele dia. A título de exemplo, vamos citar apenas uma de cada tempo litúrgico.
            Aproveite-nos, ó Deus, a participação nos vossos mistérios. Fazei que eles nos ajudem a amar desde agora o que é do céu e, caminhando entre as coisas que passam, abraçar as que não passam (1º Dom. do Advento).
            Como se pode ver, o fruto solicitado aqui é participar do banquete celeste que o Senhor tem preparado para nós. Em vista deste banquete não tem sentido o apego exagerado às coisas da terra.
            Concedei, ó Deus todo poderoso, que sejamos sempre contados entre os membros de Cristo cujo Corpo e Sangue comungamos (5º Dom. da Quaresma)

            Para nós cristãos não basta sermos seguidores de Jesus, nem sermos apenas revestidos de Cristo. O que interessa mesmo é ser membro, viver a mesma vida de Cristo; já não mais nós vivermos, mas Cristo viver em nós (cf. Gl 2,20).
            Ó Deus de bondade, permanecei junto ao vosso povo e fazei passar da antiga à nova vida aqueles a quem concedestes a comunhão nos vossos mistérios (5º Dom. da Páscoa).
            Passar da antiga à nova vida, ou seja, da condição de pecado à vida nova da graça é o que se pede nesta oração. O perdão dos pecados é, sem dúvida, um dos frutos da Eucaristia, aqui dito de forma indireta, mas, muito direta em outras orações de pós comunhão, como por exemplo, no 3º domingo do advento: imploramos, ó Pai, vossa clemência para que estes sacramentos nos purifiquem dos pecados e nos preparem para as festas que se aproximam.

            “Tende os mesmos sentimentos de Cristo” pedia S. Paulo aos filipenses. Ele mesmo dizia de si: “já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim”. Identificar-se com Cristo é com certeza fruto da Eucaristia expresso nesta oração do 27º Domingo do tempo comum: Possamos, ó Deus onipotente, saciar-nos do pão celeste e inebriar-nos do vinho sagrado, para que sejamos transformados naquele que agora recebemos.