I
Os quatro textos bíblicos que narram
a instituição da Eucaristia dizem que, enquanto ceava, Jesus tomou o pão e o
cálice, deu graças, partiu o pão e deu-o a seus discípulos dizendo: Tomai,
comei, bebei; isto é o meu Corpo; este é o cálice do meu Sangue. Fazei isto em
memória de mim (cf. Mt 26,26; Mc 14,22-24; Lc 22,19-20; 1Co 11,23-25).
Aos gestos de tomar o pão, dar
graças, partir e dar aos discípulos, corresponde a estrutura da liturgia eucarística,
ou seja, a apresentação das ofertas, a oração eucarística, também dita anáfora,
a fração do pão e o rito de comunhão.
Comecemos nosso comentário pela apresentação das ofertas que, longe de
ter sido negligenciada pela reforma litúrgica, foi, pelo contrário, muito
valorizada como expressão primeira do mandamento do Senhor: Fazei isto em
memória de mim.
Muita gente continua, de forma
inadequada, a se referir a este momento da celebração com o termo
"ofertório". O grande ofertório da missa acontece durante a Oração Eucarística onde Cristo se
oferece a si mesmo ao Pai e por ele, com ele e nele, nós também nos oferecemos.
Antecipar esse momento seria prejudicar a economia da celebração e poderia
criar confusão no espírito dos fiéis.
No início da Igreja a apresentação das ofertas foi muito
simples, ou melhor dizendo, não existia. As ofertas já estavam sobre a mesa. No
final do século II, começam aparecer os primeiros sinais de ritualização. Os
fiéis, em procissão, passam então a levar, "in natura", suas ofertas
ao presidente da celebração que, auxiliado pelos diáconos, as recolhia para ser
distribuídas aos pobres, ao mesmo tempo que separava um pouco de pão e de vinho
para a Eucaristia. Contribuíram para o surgimento deste gesto a decadência do
paganismo e o aparecimento da gnosis que desprezava tudo o que era material.
Como lembra Jungmann, "o perigo já não estava nos sacrifícios pagãos, mas
no exagerado espiritualismo platônico, disfarçado de pensamento cristão".
São muitos os textos patrísticos que atestam este
costume. Santo Agostinho, por exemplo, afirma que sua mãe "não deixava
passar um dia sem apresentar ao altar a sua oferta"(Confissões 5,9). São
Cipriano repreende com duras palavras a uma matrona avarenta que participava da
Eucaristia sem nada levar para o altar.
"Sendo como és, não podes fazer boas obras na Igreja, pois os teus
olhos, demasiado enegrecidos e cobertos das trevas da noite, não vêem o
necessitado e o pobre. Sendo opulenta e rica, pensas que celebras a Ceia do
Senhor, tu que nem sequer olhas para a caixa, que vens à celebração sem
oferenda e recebes parte da oferenda que o pobre apresentou? Contempla a viúva
do Evangelho; apesar da pobreza em que se via apertada, não se esqueceu dos
preceitos do Senhor e fez esmola, lançando na caixa as duas únicas pequenas
moedas que possuía...". (As Obras e as Esmolas, 15).
Mais tarde, aos cristãos da Gália,
Cesário de Arles assim exortava: "Trazei oferendas dignas de ser
consagradas no altar. Aquele que vive bem deve corar por ter comungado graças à
oferenda de um outro" (Sermão 13,2). "Quando vierdes à igreja,
apresentai uma oferenda que possa ser consagrada no altar. Há muitos fiéis
pobres que apresentam com freqüência oferendas na igreja... Ao contrário, há
ricos que não distribuem nada aos pobres nem apresentam oferendas nas igrejas e
que não têm vergonha de comungar da oferenda oferecida por um
pobre..."(Sermão 14,3).
Com o tempo, ou mais precisamente na
Idade Média, o rito foi sendo solenizado e acrescido de cerimônias e orações.
Hoje, de novo, se busca a simplicidade primitiva e se orienta que "embora
os fiéis já não tragam de casa, como outrora, o pão e o vinho destinado à
liturgia, o rito de levá-los ao altar conserva a mesma força e significado
espiritual" (IGMR 73).
II
Durante a procissão das oferendas
está previsto um canto que se prolonga até que os dons sejam colocados sobre
altar(IGMR 74). "O canto não deve necessariamente falar de ofertas, mas
pode recordar a vida do povo de modo condizente com o ato litúrgico ou
simplesmente harmonizar-se com a celebração do mistério do dia de acordo com a
tradição"(AVLB 296). O presidente da assembléia pode sentar-se, enquanto a
mesa é preparada. Vale a pena chamar a atenção para expressão "preparação
dos dons". Significa que até aquele momento o altar deve estar vazio.
Mesmo numa pequena igreja, é conveniente que o pão e o vinho estejam em outro
lugar, pois "as ofertas da assembléia fazem parte da ação litúrgica. Por
isso não devem ser abolidas"(AVLB 292). O Diretório para missas com grupos populares orienta que "em
certa ocasiões, este rito se tornará mais expressivo se o povo depositar, em
lugar conveniente, donativos em gêneros ou dinheiro para atender às
necessidades dos pobres ou da igreja; ou ainda, se levar para junto do altar
símbolos alusivos à comemoração realizada naquele dia ou a algum aspecto da
vida da comunidade" (3.3.1). "Onde expressões corporais forem bem
aceitas poderão ser admitidas na procissão de ofertas"(AVLB 297).
Cuide-se, porém, para que os símbolos sejam verdadeiros. Evite-se levar ao
altar objetos puramente figurativos ou representativos de lugares ou grupos,
sem nenhuma referência à Eucaristia. Afaste-se todo e qualquer sinal de
espetáculo.
Terminada a procissão de ofertas, o
sacerdote, de pé, toma a patena com o pão, em seguida o cálice com vinho,
eleva-os um pouco sobre o altar e recita uma oração em silêncio. Se não
houver canto, a oração pode ser feita em voz alta, acrescida de uma aclamação
por parte do povo.
Ao vinho se acrescenta um pouco d'água.
Este rito, apesar de simples, é muito antigo e rico de simbolismo. São Justino
e Santo Irineu, que viveram no século II, já o mencionam. Segundo São Cipriano,
(séc. III) "na água está figurado o povo, e no vinho o Sangue de Cristo, o
povo dos crentes adere e une-se Àquele em que crê... Por isso, quando se
santifica o cálice do Senhor, não se pode oferecer apenas água, como também não
se pode oferecer apenas vinho. Se alguém oferece só vinho, o Sangue de Cristo
está sem nós; mas se apenas se oferece água, o povo está sem Cristo... Por
isso, o cálice do Senhor não é só água ou só vinho, mas a mistura de ambos,
como o Corpo do Senhor também não pode ser só farinha ou só água, mas ambas as
coisas misturadas na fusão de um só pão..."(Carta 63, 13).
Com o tempo, outras interpretações
simbólicas e reflexões teológicas interessantes foram acrescentadas. Segundo o
Concílio de Trento, se faz esta mistura porque: a) se crê que o próprio Cristo
assim o fez; b) do seu lado aberto pela lança saiu sangue e água; c) representa
a união do povo fiel, a Igreja, com sua cabeça, Cristo (Dz 945). No Oriente,
além da água que saiu do lado aberto, água e vinho no cálice significaram
também a união das duas naturezas em Cristo, tão bem expressa na oração do
atual Missal: "Pelo mistério desta água e deste vinho possamos participar
da divindade de vosso Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade".
III
Feita a apresentação do pão e do
vinho, pode-se fazer a incensação das oferendas, da cruz, do altar, do
presidente da celebração e de toda a assembléia. As oferendas, a cruz e o altar
são incensados pelo que preside a celebração. O próprio presidente e a
assembléia são incensados pelo diácono ou outro ministro.
Antes da reforma prescrita pelo
Concílio Vaticano II, usava-se incenso apenas nas missas solenes. Hoje, seu uso
é facultativo para qualquer forma de missa (IGMR 276).
O incenso é conhecido desde tempos
muito antigos por diversos povos e culturas. O povo judeu também o usava em
seus ritos e festas. O livro do Êxodo descreve em detalhes a confecção do
"altar do incenso" (Ex 30,1-10). Segundo o evangelista São Lucas,
Zacarias, pai de João Batista, quando recebeu o anúncio que haveria de ter um
filho, estava oferecendo incenso no interior do santuário (Lc 1,8).
Apesar do testemunho bíblico, os
primeiros cristãos tiveram dificuldades de introduzir o incenso em suas
celebrações. Seu uso foi liberado, pouco a pouco, à medida que foi
desaparecendo toda sua relação com o culto aos imperadores e com o paganismo em geral. As oferendas
começaram a ser incensadas somente a partir do século IX. O simbolismo do gesto
é muito claro: representar simbolicamente e pedir que a oferta que está sendo
feita seja aceita como incenso de agradável odor.
À preparação das ofertas ou à sua
incensação segue-se o lavabo, ou
seja, o que preside lava as mãos, dizendo: "Lavai-me, Senhor, de minhas
faltas e purificai-me de meus pecados". Alguns presbíteros omitem este
rito, outros o fazem sem expressividade. A reforma litúrgica, no entanto, não o
suprimiu (IGMR 76; MR 24). Supõe-se, por isso, que deva ser bem feito. O Missal
não fala de "molhar as pontas dos dedos", apenas, mas de "lavar
as mãos". Por isso, deve-se usar uma jarra e uma bacia de proporções discretas.
Da mesma forma, a toalha, para enxugar as mãos, não pode ser um pequeno lenço.
Aqui, como em outras ocasiões, se deve ter bem presente que todas as coisas
"destinadas ao culto litúrgico ou a qualquer uso na igreja sejam dignas e
condizentes com o fim a que se destinam" (IGMR 348).
O sentido simbólico deste rito vem
desde os primeiros séculos. São Cirilo de Jerusalém, por exemplo, deixou-nos
este testemunho: "Vistes o diácono
oferecer água ao pontífice e aos presbíteros que rodeiam o altar de Deus para
lavarem-se. Não a deu, absolutamente, por causa da sujeira corporal. Não é
isso. Pois com o corpo sujo nem sequer teríamos entrado na igreja. Mas lavar as
mãos é símbolo de que nos devemos purificar de todos os pecados e de todas as
faltas. Já que as mãos são símbolo das obras, lavamo-las, indicando
evidentemente a pureza e a irrepreensibilidade das obras. Não ouviste como o
bem-aventurado Davi te introduziu neste mistério ao dizer: 'Lavarei as mãos
entre os inocentes e andarei ao redor do teu altar, Senhor?'. Então, lavar as mãos
é estar limpo de pecado". (Cat. Mist. V,2).
IV
Encerra-se a apresentação das
ofertas e prepara-se a oração eucarística com o convite aos fiéis para rezarem
com o sacerdote e com a oração sobre as oferendas (IGMR 77).
O convite para rezar é um rito
tardio. Aparece apenas no século IX. A primeira notícia a seu respeito nos foi
dada por Amalário, bispo de Metz. Num contexto em que a dimensão sacerdotal do
povo de Deus havia sido esquecida, o sacerdote pedia aos fiéis para que rezassem
por ele para que fosse digno de oferecer ao Senhor a oblação de todo o povo.
Hoje, expressando outra concepção teológica, o convite é para rezarem com o
sacerdote e juntos oferecerem o sacrifício. Apesar de se usar apenas um, o
Missal apresenta quatro formulário. Creio ser interessante chamar atenção para
as três alternativas quase nunca usadas.
1)
Orai, irmãos e irmãs, para que esta nossa família, reunida em nome de Cristo,
possa oferecer um sacrifício que seja aceito por Deus Pai todo-poderoso.
2)
Orai, irmãos e irmãs, para que, levando ao altar as alegrias e fadigas de cada
dia, nos disponhamos a oferecer um sacrifício aceito por Deus Pai
todo-poderoso.
3)
Orai, irmãos e irmãs, para que o sacrifício da Igreja, nesta pausa restauradora
na caminhada rumo ao céu, seja aceito por Deus Pai todo-poderoso.
A oração sobre as oferendas é a mais
antiga de todo o rito da apresentação das ofertas. Desde o século VI
encontram-se testemunhos a respeito de sua existência. A partir do século VIII recebeu o nome de Secreta, passou a ser rezada em voz
baixa e a ser considerada parte da oração eucarística que também mergulhara no
silêncio. Hoje, com a reforma litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II,
voltou a se integrar à apresentação das ofertas e a ser proferida em voz alta e
distinta, estando a assembléia de pé, como exige a natureza de qualquer oração
presidencial (IGMR 30 e 32).
Os textos de várias destas orações, sobretudo das mais
antigas, demonstram bem seu significado: apresentar a Deus as ofertas que os
fiéis haviam trazido até o altar ou altares (solenidade de S. João Batista,
texto latino da missa do dia). A determinação para que os concelebrantes se
aproximem do altar somente após ter sido concluída pelo celebrante principal
(IGMR 215), manifesta também a intenção de não antecipar temas próprios da
oração eucarística em que se oferece o verdadeiro sacrifício cristão. É muito
importante que apareça bem claro que, com a oração sobre as oferendas, estamos
terminando um rito secundário e, com o diálogo do prefácio, estamos iniciando o
rito central e culminante da Eucaristia. Para tanto, além dos gestos previstos
pelas rubricas, pode-se usar de criatividade. Por exemplo: intercalar, entre o
"amém" da oração sobre as oferendas e "o Senhor esteja
convosco" do prefácio, um pequeno espaço de música ou um breve comentário
do presidente. O mesmo cuidado indica-nos que seria sem sentido e pouco
educativo o que às vezes acontece: cantar a oração sobre as ofertas e apenas
recitar o prefácio.
V
Dentro do conjunto da liturgia
eucarística a anáfora, também dita oração eucarística, constitui o "centro
e ápice de toda a celebração"(IGMR 78; 30). É a oração solene que abrange
toda a parte central da missa. "Nela prevalece o caráter de ação de graças
por todo o mistério da salvação ou por um aspecto particular dele, celebrado na
ação litúrgica, segundo a diversidade do dia, da festa, do tempo ou do
rito" (SCCD, Carta "Participação na Eucaristia, 8). Seu sentido é
unir toda a assembléia com Cristo na proclamação das maravilhas de Deus e na
oblação do sacrifício(IGMR 78).
A oração eucarística compõem-se dos
seguintes elementos: a ação de graças expressa de modo especial pelo diálogo
introdutório e pelo prefácio; a aclamação em que a assembléia unida aos anjos e
santos canta o Santo; a epíclese
através da qual invoca-se o Espírito Santo para que transforme o pão e o vinho
no Corpo e no Sangue de Cristo, e para que aqueles que tomam parte na
Eucaristia sejam um só corpo e um só espírito; a narrativa da instituição em
que pela força das palavras e da ação de Cristo, e o poder do Espírito Santo,
se tornam sacramentalmente presentes o Corpo e o Sangue de Cristo, seu
sacrifício oferecido na cruz uma vez por todas; a anamnese pela qual a Igreja
faz memória do mistério pascal de Cristo e de sua volta gloriosa; a oblação, o
verdadeiro ofertório em que juntamente com Cristo a assembléia se oferece ao
Pai; as intercessões em que se expressa que a Eucaristia é celebrada em
comunhão com toda a Igreja do céu e da terra, dos vivos e dos mortos; a
doxologia final confirmada pelo Amém da
assembléia (CIC 1353-1354).
O diálogo introdutório constitui
"uma das poucas relíquias da tradição cristã mais antiga"(Jungmann).
Hipólito de Roma, no século III, em sua Tradição Apostólica , já o registra na íntegra
(Trad. Apost. 12).
Comentando a fórmula - "O
Senhor esteja convosco" - Santo Agostinho assim se expressa:
"...dizemo-la cada vez que rezamos, pois isto nos é de ajuda, que o Senhor
esteja sempre conosco, já que sem ele não somos nada" (Sermão "Vós, regenerados a uma vida nova").
A fórmula "Corações ao
alto" é muito comentada pelos Padres da Igreja. Citemos apenas dois:
"Depois disso o sacerdote
proclama: "Corações ao alto!". Verdadeiramente nesta hora mui
tremenda, é preciso ter o coração no alto, junto de Deus, e não em baixo, na
terra, nas coisas terrenas. Com autoridade, pois, o sacerdote ordena que nesta
hora se abandonem todas as preocupações da vida e os cuidados domésticos e que
se tenha o coração no céu, junto ao Deus benevolente" (Cirilo de
Jerusalém, Catequese mistagógica V,4).
"Depois desta bênção, "o
pontífice prepara o povo, dizendo: Corações ao alto", para mostrar que,
apesar de pensarmos que é na terra que estamos a realizar esta liturgia
tremenda e inefável, no entanto, é lá para cima, para o Céu, que devemos olhar,
dirigindo para Deus a intenção de nossa alma, pois estamos a fazer um memorial
do sacrifício e da morte de Cristo, nosso Senhor, que por nós sofreu e
ressuscitou, se uniu à natureza divina, se sentou à direita de Deus e está no
Céu. Também nós temos necessidade de dirigir para lá o olhar da nossa alma e,
(a partir) deste memorial, transportar para lá o nosso coração" (Teodoro
de Mopsuéstia, Catequese mistagógica VI,3).
Continuando seus comentários Teodoro
de Mopsuéstia e Cirilo de Jerusalém passam para o convite à ação de graças com
estas palavras:
"Depois de o pontífice ter
preparado e predisposto deste modo a alma e o coração dos assistentes, diz:
"Demos graças ao Senhor". Com efeito, é por estas coisas que por nós
foram feitas e das quais vamos realizar o memorial nesta liturgia, que devemos
fazer, em primeiro lugar, uma ação de graças a Deus, causa de todos estes bens,
pelos quais o povo responde: "É digno e justo". Ele confessa que é
muito justo fazermos isto, quer por causa da grandeza de Deus, que nos concedeu
tais dons, quer por ser justo que não sejam ingratos, para com o seu benfeitor
aqueles que receberam benefícios" ( Teodoro de Mopsuéstia, Catequese mistagógica VI,4).
"Depois diz o sacerdote:
"Demos graças ao Senhor". Deveras, devemos agradecer-lhe, porque
sendo indignos chamou-nos a tamanha graça que nos reconciliou, sendo seus
inimigos, e nos fez dignos da adoção do Espírito. E vós dizeis: "É digno e
justo". Pois quando damos graças nós fazemos algo digno e justo. Ele nos
beneficiou não com a justiça, mas além de toda justiça, fazendo-nos dignos de
grandes bens"(Cirilo de Jerusalém, Catequese
mistagógica V,5
VI
O prefácio, como a própria palavra
diz, é uma solene proclamação de ação de graças, dirigida ao Pai, por meio de
Jesus Cristo, por algum aspecto da magnífica obra da salvação, ou pelo mistério
da salvação em seu conjunto. Por exemplo, no Natal se fala do nascimento de
Jesus, na Páscoa se faz referência a Cristo ressuscitado.
No começo os cristãos chamaram de prefácio toda a
Oração Eucarística, mas logo depois, na liturgia romana, a palavra passou a
significar apenas o início desta solene oração. Mais tarde, num processo de
empobrecimento de sua compreensão, passou a ser considerado apenas como
introdução à Oração Eucarística. A
reforma litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II recuperou o seu valor,
dando-lhe, de novo, o destaque que ele merece, enquanto parte integrante da
Oração Eucarística em seu matiz essencial de ação de graças.
Seu gênero literário é de difícil
classificação. Não se consegue saber se é um hino em forma de oração ou se é
uma oração em forma de hino. Em todos os casos, o prefácio exige uma linguagem
nobre e um estilo elegante. Tem que ter sonoridade poética e espiritual, uma
contextura vigorosa de palavra e de fé. Nele, a beleza e a piedade se
interpenetram. Seu papel é dispor a assembléia a celebrar com alegria e júbilo
as maravilhas da redenção.
Existem prefácios para cada tempo litúrgico,
para cada solenidade e festa importante e também para alguns sacramentos e
sacramentais. Por isso, no curto espaço de um artigo não será possível comentar
o conteúdo de cada um deles.
Para o tempo do Advento o Missal
Romano nos coloca à disposição quatro prefácios. Neles somos convidados a
acolher o Senhor presente em cada pessoa humana e a, vigilantes, esperá-lO,
pois Ele virá, uma segunda vez, revestido de glória, para conceder-nos em
plenitude os bens prometidos.
Os três prefácios do Natal e o da
Epifania colocam-nos diante do plano de Deus sobre a criação e do misterioso
comércio entre Deus e o ser humano. Segundo este comércio, Deus, ao se tornar
um de nós, torna-nos participantes de sua divindade e eternidade.
Na Quaresma, o Missal Romano nos
brinda com cinco prefácios. Neles somos chamados a nos colocar na estrada do
Êxodo para que, aos pés da montanha sagrada, humildemente tomemos consciência
de nossa vocação de povo da aliança.
Quando a Quaresma chega ao seu fim,
na quinta semana, o dois prefácios da "Paixão do Senhor" fazem-nos
proclamar a misericórdia do Senhor e enaltecer a vitória do crucificado sobre o
antigo inimigo.
Nos cinco prefácios da Páscoa
proclamamos que Cristo, morrendo, destruiu a morte, e, ressurgindo,
garantiu-nos a vida em plenitude. Proclamamos também que Cristo
continua, como nosso intercessor, a oferecer-se pela humanidade.
O Tempo Comum possui nove prefácios.
Seus títulos são muito sugestivos e com certeza sintetizam o seu conteúdo: o
mistério pascal e o povo de Deus; o mistério da salvação; a salvação dos
homens, pelo homem; a história da salvação; a criação; Cristo, penhor da Páscoa
eterna; a salvação pela obediência de Cristo; a Igreja reunida pela SS.
Trindade; o Dia do Senhor.
Os prefácios são, com certeza, uma
fonte inesgotável para nossa espiritualidade. A leitura orante é, sem dúvida,
um método muito adequado para garimparmos o tesouro neles escondido.
VII
O Santo é o segundo elemento da Oração Eucarística (IGMR 79b). Nele a
assembléia é convidada a unir-se ao coro dos anjos, dos santos e santas
canonizados oficialmente pela Igreja e dos santos e santas canonizados por
nossos afetos, os nossos irmãos defuntos, para explodir numa vibrante aclamação
de ação de graças e de louvor. O Santo deve
ser habitualmente cantado por toda a assembléia juntamente com o sacerdote (cf.
MS 34). "Uma aclamação apenas recitada perde muito do seu sentido, e mais
ainda o Santo com seu caráter
solene.(...), Não tem sentido convidar o céu e a terra, os anjos e os arcanjos
para "cantar a uma só voz", e depois cantar apenas um grupinho ou
pior ainda, um cantor sozinho"(Estudos da CNBB 12, Estudo sobre os cantos da Missa, p. 90).
O Santo tem raízes bíblicas. A primeira parte é formada por um texto
de Isaías (Is 6,3). A segunda parte se inspira no Salmo 118,26.
Não sabemos quando foi introduzido o
Santo na liturgia cristã. Tanto
Justino, quanto Hipólito silenciam a seu respeito. Não erraríamos, no entanto,
se afirmássemos que a Igreja canta o Santo
desde os seus primórdios. Clemente Romano, no final do século I, não apenas
cita, mas o introduz com o texto que as liturgias orientais mais tarde usaram
com a mesma finalidade.
"Miríades e miríades estão
junto dele; milhares e milhares estão a seu serviço. E eles gritam: Santo,
santo, santo é o Senhor dos Exércitos! Toda a criação está cheia se sua
glória". Também nós, na concórdia, unidos na mesma consciência, como uma
só boca, chamemos a ele com insistência, a fim de que tenhamos parte nas suas
grandes e magníficas promessas" (Carta aos Coríntios 43,6).
Do século IV em diante não se tem mais dúvida. O Santo faz parte da Oração Eucarística.
Confirmam-no inúmeros testemunhos, dos quais citaremos apenas um.
"Acaso conhecestes este
cântico? É por ventura só dos Serafins ou também é nosso? É nosso e também dos
Serafins. Cristo, pelo seu grande amor para conosco, derrubou o muro que
separava o homem de Deus, estabeleceu uma paz eterna entre o céu e a terra...
Antes, só se ouvia este hino nas moradas celestes; mas Cristo veio à terra e
trouxe-nos esta melodia divina. Se este grande Pontífice nos pôs a mesa
sagrada, para lhe prestarmos um culto racional..., para nos apressarmos a
entoar este cântico tão ditoso, e para que, juntamente com os Querubins e os
Serafins, elevemos a nossa alma da terra e subamos com eles até o Céu, unamos
às suas as nossas vozes..."(S. João Crisóstomo, Hom. sobre Isaías, 6,3).
Com o Santo buscamos a chancela dos anjos, santos e santas para nossa
oração e nosso louvor. De fato, nossas múltiplas atividades não nos permitem um
louvor digno do nosso Deus. Por isso, apelamos para os especialistas em louvor
e unimos nossa voz à deles a fim de que nosso débil canto também ressoe nos
páramos eternos.
VIII
A epíclese é o terceiro elemento
estrutural da Oração Eucarística. Nela invoca-se o “Pai para que faça descer o
dom do Espírito a fim de o pão e o vinho se tornarem o corpo e sangue de Jesus
Cristo, e para que ‘a comunidade inteira se torne cada vez mais corpo de
Cristo’. O Espírito, invocado pelo celebrante sobre os dons do pão e do vinho
colocados sobre o altar, é o mesmo que reúne os fiéis ‘num só corpo’,
tornando-os uma oferta espiritual agradável ao Pai". (Sacramentum
Caritatis, 13).
O Catecismo da Igreja Católica
lembra que "juntamente com a anamnese, a epíclese está no cerne de cada
celebração sacramental, mais especialmente da Eucaristia" (CIC 1106).
Antes do Concílio Vaticano II nós
tínhamos uma oração eucarística apenas. Era o Cânon Romano. Nela a epíclese não
era explícita. Melhor dizendo, o Espírito Santo não era invocado de forma
clara. Agora, no Missal, além do Cânon Romano, temos mais treze orações
eucarísticas. Todas elas contém duas epícleses: uma sobre os dons antes da
consagração, chamada epíclese consecratória e outra sobre a assembléia, depois
da consagração, chamada epíclese de comunhão. Na primeira se pede que o Pai
transforme as oferendas em Corpo e Sangue de Cristo, derramando sobre elas o
Espírito Santo. Na segunda se pede que, comungando o Corpo sacramental de
Cristo, os fiéis, repletos do Espírito Santo, se tornem um só corpo e um só
espírito, ou seja, se transformem em Corpo eclesial de Cristo.
A Igreja sempre professou de forma
viva sua fé na presença e na ação do Espírito Santo na Eucaristia, muito embora
a teologia manualística e até o mesmo o Concílio Vaticano II apresentem da
Eucaristia quase que exclusivamente o aspecto cristológico. Apenas o Decreto sobre a Vida e o Ministério dos
Presbíteros afirma que o pão eucarístico é a "carne vivificada e vivificante
pelo Espírito Santo (PO 5). A relação entre Eucaristia e Espírito Santo, no
entanto, é fundamental. Uma teologia atenta a todas as dimensões dos
sacramentos não pode esquecê-la. A Bíblia é muito clara neste sentido. Jesus,
quando os discípulos murmuravam e até se afastavam dele porque tinha prometido
o seu Corpo e o seu Sangue como comida e bebida, procurou acalmá-los
esclarecendo que não se tratava do seu Corpo e Sangue físicos, mas de seu Corpo
e Sangue na condição de Cristo celeste, pneumatizado, glorioso junto do Pai:
"O espírito é que vivifica, a carne de nada serve"(Jo 6,63). Numa
interpretação deste texto, o teólogo anglicano Brett afirma: "A Igreja
primitiva interpretava o sentido das palavras do Senhor "é o Espírito que
vivifica, a carne de nada vale" da
seguinte maneira: a fim de que o Corpo e o Sangue do Senhor ao ser comido e
bebido produza a vida eterna, é preciso que seu Espírito vivificante seja
comunicado à Carne e ao Sangue, porque sem o Espírito a carne não atingirá sua
finalidade".
A ação do Espírito Santo na
Eucaristia é também pregada pelo Apóstolo Paulo, quando interpreta como figuras
da Eucaristia o maná do deserto e a água do rochedo chamando-os de
"alimento e bebida espirituais"(1Co 10,3-4), isto é, possuídos pelo Espírito.
Explicitando ainda mais o seu pensamento declara logo a seguir: "Todos
temos bebido dum só Espírito"(1Co 12,13). É ainda o Apóstolo Paulo quem
diz que pela celebração da Eucaristia anuncia-se a morte do Senhor até que ele
venha (1Co 11,26). Ora, sabe-se que a volta de Cristo, no Apocalipse, é
atribuída ao Espírito e à Esposa (Apc 22,17.20). É impossível, portanto,
compreender a essência da Eucaristia sem esta referência direta ao Espírito
Santo.
IX
Mais ou menos no meio, a Oração eucarística
se interrompe, transformando-se em relato. Trata-se do relato da instituição da
Eucaristia na última Ceia. Esta mudança não acontece por nada. Ela quer
significar que a Eucaristia não é da assembléia, nem do ministro. A ação de
graças na qual o relato se insere é, antes de tudo, ação de graças de Cristo.
Torna-se também nossa porque Cristo nos associa a ele. O verdadeiro presidente
da Eucaristia não é o padre, mas o próprio Cristo. O padre, enquanto ministro
ordenado, agindo em nome de Cristo cabeça, apenas proclama em nome da
assembléia a ação de graças de Cristo ao Pai.
As palavras da instituição e consagração são idênticas
em todas as Orações eucarísticas, exceto nas das missas com crianças. Para que
elas possam distinguir melhor aquilo que se pronuncia sobre o pão e o vinho
daquilo que se refere ao mandato de repetir a celebração, introduziu-se o
inciso "E disse também", antes das palavras "Fazei isto em
memória de mim". Nas missas com crianças inseriram-se ainda aclamações
após as palavras do Senhor sobre o pão e sobre o vinho.
Os documentos da Igreja não se cansam de repetir que
as palavras da instituição constituem ato essencial da Liturgia eucarística.
Elas devem ser pronunciadas com grande humildade e simplicidade, de maneira
compreensível, bela e digna, correspondente a sua santidade. Os gestos que
acompanham devem ser feitos sem pressa, de forma recolhida e devota, de tal
forma que expressem a grandeza do mistério que se está realizando (cf.
Dominicae Cenae 9). O sacerdote ao pronunciá-las inclina-se levemente, em
seguida mostra ao povo a hóstia consagrada e genuflecta para adorar. Repete os
mesmos gestos nas palavras sobre o cálice (cf. MR 104 e 105). Na concelebração,
se parecer oportuno, os concelebrantes estendam a mão direita para o pão e para
o cálice. No momento da apresentação olham para a hóstia e para o cálice e
depois inclinam-se profundamente (cf. IGMR 222c). A assembléia se ajoelha, a
não ser que justas causas o impeçam. Mesmo assim, aqueles que não se ajoelham
devem fazer inclinação profunda enquanto o sacerdote faz a genuflexão (cf. IGMR
43). "Um pouco antes da consagração, o ministro, se for oportuno, adverte
os fiéis com um sinal de campainha. Faz a mesma coisa em cada elevação,
conforme o costume da região. Se for usado incenso, ao serem mostrados ao povo
a hóstia e o cálice após a consagração, o ministro os incensa" (IGMR 150).
Embora se dê todo este destaque para as palavras da
instituição é bom esclarecer que elas não são consecratórias em si mesmas. Não
podem por isso ser confundidas com fórmulas, ou palavras mágicas. Entre elas e
as palavras da epíclese existe uma profunda unidade. Além do mais, fazem parte
da Oração eucarística. Esta sim, toda ela consecratória. Recomenda-se por isso
que "não se isole a narrativa da última ceia do resto da oração
eucarística, como se fosse uma peça à parte" (CNBB, Guia Litúrgico Pastoral p. 27).
Não resta dúvida de que após as palavras da
instituição o pão e o vinho já não são mais pão e vinho, mas Corpo e Sangue do
Senhor. Por isso, tanto o sacerdote quanto os fiéis devem adorar Cristo
realmente presente sob as espécies sacramentais. No entanto, a presença real de
Cristo na hóstia consagrada não é estática. Cristo se faz presente, porque na
Eucaristia ele se entrega em sacrifício ao Pai e nos associa nesta entrega. Por
isso, antes da adoração, nosso primeiro sentimento e nossa melhor atitude devem
ser a de comunhão com o Corpo e com o Sangue do Senhor (1Cor 10,16) que nos
impele a sermos também nós "pão repartido" para vida do mundo. Por
isso o Missal de Paulo VI já não fala de elevação
das espécies consagradas, mas ordena que o sacerdote apenas mostre o pão e o cálice. Sua intenção é
dizer que neste momento mais importante que adorar é fazer memória do sacrifício de Cristo. Nunca será demais dizer que
a apresentação da hóstia e do cálice após a consagração não pode ser mais
solene do que os gestos e as palavras do Senhor. Este não é o momento de
jaculatórias de adoração tais como: graças
e louvores se dêem a todo momento..., ou
meu Senhor e meu Deus! Despropósito maior ainda é o de certos padres que
permanecem por longo tempo ajoelhados no momento da genuflexão, ou saem pelo
meio da igreja com a hóstia e o cálice para que o povo adore e toque as
sagradas espécies.
X
"Após a consagração, tendo o
sacerdote dito: Eis o mistério da fé, o
povo profere a aclamação, usando uma das fórmulas prescritas"(IGMR 151):
"Anunciamos, Senhor, a vossa
morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!"
"Todas as vezes que comemos
deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto
esperamos vossa vinda!"
"Salvador do mundo, salvai-nos,
vós que nos libertastes pela cruz e ressurreição" (MR 93; 106; 113; 122).
"Toda vez que se come deste
Pão, toda vez que se bebe deste Vinho, se recorda a paixão de Jesus Cristo e se
fica esperando sua volta" (Or.Euc. V).
Embora pareça, estas aclamações não
são novidades absolutas. Elas aparecem em quase todas as liturgias do Oriente e
na liturgia mozárabe, aqui no Ocidente.
Aqui a Oração Eucarística é como que
interrompida. Troca-se de destinatário. O presidente da celebração vinha se
dirigindo ao Pai. Neste momento povo entra com a aclamação dirigindo-se a
Cristo.
O Missal diz que compete ao padre
dizer: Eis o mistério da fé. As
Comissões de Liturgia da Alemanha e dos Estados Unidos prevêem que seja dito
pelo diácono. A Comissão da França não tem tanta segurança. Segundo os bispos
franceses, recitar a expressão: Eis o
mistério da fé "é função atribuída ao padre, no entanto, parece poder
ser recitada ou cantada por um diácono". Esta fórmula, com efeito, apareceu, entre os séculos VII e VIII,
no Cânon Romano como um acréscimo às palavras da narração da Ceia relativas ao
cálice. "... Cálice do meu sangue, sangue da nova e eterna aliança, mistério da fé que é derramado por
vós...". Teria sido uma proclamação diaconal dirigida à assembléia,
atraindo a atenção para a ação sagrada a realizar-se sobre o altar, ou um parênteses destinado a afirmar que a
consagração se realiza pelas palavras da Instituição. Com a reforma, por
sugestão do Papa Paulo VI, foi transferida para o fim da narração, como
introdução à aclamação dos fiéis.
Eis
o mistério da fé pode dar a entender que se trata apenas do mistério da
presença real de Cristo sob as espécies do pão e do vinho. A aclamação do povo,
no entanto, alarga a visão. Trata-se da morte, da ressurreição e da vinda do
Senhor no fim dos tempos. Ou seja, estamos aqui diante dos grandes mistérios da
fé, das etapas mais importantes da economia da salvação. A estes mistérios
somos associados, pois a Eucaristia é "a expressão sacramental mais
completa da "partida" de Cristo, por meio do mistério da Cruz e da
Ressurreição. Nela todas as vezes que é celebrada, realiza-se sacramentalmente,
a sua vinda e a sua presença salvífica". Na Eucaristia, os primeiros
cristãos reconheciam que "o seu Senhor Ressuscitado, que subira aos céus,
voltava ao meio deles, na comunidade eucarística da Igreja e por meio
dela" (Dominum et Vivificantem n.62).
O momento, portanto, não é de adoração a Cristo
presente no pão e no vinho consagrados, mas de inserção na dinâmica do mistério
pascal e com Cristo nos colocar em atitude de adoração ao Pai, com a disposição
de, em tudo, fazer a sua vontade.
XI
À aclamação anamnética segue a
anamnese propriamente dita, quinto elemento da Oração Eucarística e coração da
Eucaristia (cf. CIC 1106). Através dela, a Igreja, seguindo a ordem que recebeu
de Cristo, seu Senhor, faz memória do próprio Cristo, relembrando
principalmente a sua bem-aventurada paixão, a gloriosa ressurreição e a
ascensão aos céus (IGMR 79e).
Anamnese é uma palavra grega, mas
seu significado vem da fé do povo hebreu. Sua raiz encontra-se na cerimônia de
Páscoa do povo ao sair do Egito e na ordem de celebrá-la cada ano como um
memorial (cf. Ex 12,1-14).
Anamnese ou memorial é, portanto, um
ato de culto em que, apoiando-nos num fato passado, celebramos sua atualidade e
sua atualização, ao mesmo tempo que proclamamos seu futuro totalmente
realizado. Sem empregar a palavra, São Paulo exprime de forma magistral o seu
conteúdo: "Todas as vezes, pois, que comeis deste pão e bebeis deste
cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha" (1Co 11,26).
No ritual da Páscoa judaica, o filho
mais jovem pergunta ao pai: "Por que esta noite é diferente de todas as
outras noites?"(cf. Ex 12,26). O pai responde contando toda a história da
libertação do Egito (cf. Dt 26,5s) e conclui valendo-se de uma admoestação
atribuída ao rabino Gamaliel: "De geração em geração cada um é obrigado a
ver-se a si próprio como tendo ele mesmo saído do Egito... O Santo - bendito
seja ele - não remiu só os nossos pais, mas também remiu a nós com
eles...".
A Eucaristia foi instituída no
contexto de uma Ceia Pascal. Cristo, quando ordenou a seus discípulos para que
fizessem em sua memória o que ele acabava de fazer, estava pensando como um
fiel e piedoso judeu e os discípulos também entenderam como bons e piedosos
judeus.
Cesare Giraudo explicando este conceito de anamnese
assim se epressa: "Se Jesus não tivesse instituído a Eucaristia, o evento
de sua morte e ressurreição teria permanecido isolado nas coordenadas
espaço-temporais em que viveu e a Igreja das gerações subseqüentes, que somos
nós, não teria tido maneira de voltar a imergir salvificamente na
morte-ressurreição de Jesus [...]. Celebrar a Eucaristia quer dizer comungar
com o Vivente, que continua a dar-se a nós no sinal de sua morte, para
permitir-nos ser re-apresentados sacramentalmente à eficácia redentora do único
sacrifício. Segue-se daí que devemos nos sentir teologicamente em movimento toda vez que nos aproximamos da
comunhão. Devemos habituar-nos a tomar consciência do movimento sempre mais
intenso de nossos pés teológicos. Enquanto
os pés físicos continuam a deter-nos na igreja, os pés da fé eucarística nos
transportam lá para o Calvário, para imergir-nos ainda uma vez na morte do
Senhor Jesus, lá para diante da tumba do Ressuscitado, para ressurgir ainda uma
vez com ele para uma existência relacional sempre nova, já que nossa missa é
todo o Calvário, é todo o fulgor da manhã de Páscoa" (Num só corpo. Tratado mistagógico sobre a eucaristia, Ed. Loyola,
pp. 87 e 91).
Portanto, quando dizemos que na Missa recordamos a
Paixão, a Morte e a Ressurreição do Senhor, sempre é bom reafirmar que não se
trata de recordação, no sentido de crônica histórica ou de simples comemoração
psicológica e emocional, mas de envolvimento existencial e salvífico naqueles
acontecimentos. Como dizia D. Helder Câmara, trata-se de ir ao Calvário e ao
sepulcro vazio. Trata-se de ressuscitar em Cristo e com Cristo.
XII
A oblação é o sétimo elemento da
Oração Eucarística e está intimamente conexa com a anamnese, como se pode
deduzir de todas as Orações Eucarísticas. "Celebrando a memória... nós
oferecemos" ao Pai, no Espírito Santo, o Corpo e o Sangue de Cristo,
hóstia imaculada, sacrifício de vida e santidade, memória de nossa redenção.
Temos aqui uma expressão muito clara do caráter sacrificial da Eucaristia. Por
isso, não têm razão os que acusam o Missal de Paulo VI de ter dado relevo
apenas ao aspecto comemorativo da
Eucaristia. Os que assim pensam, demonstram falta de compreensão a respeito do
que seja memória ou memorial. Quando o Concílio de Trento condenou com anátema
os que diziam ser a Eucaristia "simples comemoração" (DS 1753),
pretendia apenas condenar uma concepção falsa e restritiva de memorial.
Memória ou memorial na Bíblia e na Liturgia não é uma
simples recordação subjetiva, como seria, por exemplo, o ato devocional da
via-sacra ou do rosário. É, antes, uma celebração ritual e objetiva que re-apresenta ou re-atualiza o passado, não permitindo que seja totalmente passado.
Pelo contrário, abre-lhe a possibilidade de continuar permanentemente e eficazmente
presente.
Como afirma o Catecismo
da Igreja Católica "Por ser memorial da páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício.[...].
A Eucaristia é, portanto, um sacrifício porque representa (torna presente) o Sacrifício da Cruz, porque dele é memorial"(CIC 1365-1366). João
Paulo II expressa este ensinamento da seguinte forma: "Quando a Igreja
celebra a Eucaristia, memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este
acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e 'realiza-se também
a obra de nossa redenção". Este sacrifício é tão decisivo para a salvação
do gênero humano que Jesus Cristo realizou-o e só voltou ao Pai depois de ter deixado o meio para dele
participarmos como se tivéssemos estado presentes" (EE 11). Portanto,
sob um aspecto, a Eucaristia é sacrifício relativo,
ou seja, é sacrifício porque faz memória do Sacrifício da Cruz, sob outro
aspecto, é sacrifício absoluto porque
não é uma simples recordação subjetiva.
Esta doutrina, como já foi dito,
aparece com toda nitidez em cada uma das quatorze Orações Eucarísticas,
especialmente no momento da oblação.
Nossa oblação, no entanto, não é só
do sacrifício do Corpo e Sangue de Cristo. Não podemos oferecer Cristo sem nos
oferecer também. Ao oferecer Cristo, que é a Cabeça, é preciso oferecer o Corpo
que somos nós. O Concílio Vaticano II possui textos magníficos a este respeito.
Citemos apenas três:
Aprendam
(os fiéis) a oferecer-se a si
próprios oferecendo a hóstia imaculada, não só pelas mãos do sacerdote, mas
também juntamente com ele (SC 47).
Assim
todas as suas obras, preces e iniciativas apostólicas, vida conjugal e
familiar, trabalho cotidiano, descanso do corpo e da alma, se praticados no
Espírito, e mesmo os incômodos da vida pacientemente suportados, tornam-se
"hóstias espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo"(1Pd 2,5),
hóstias que são piedosamente oferecidas ao Pai com a oblação do Senhor na
celebração da Eucaristia (LG 34).
Por
isso, ensinam os Presbíteros os fiéis a oferecer a divina vítima no Sacrifício
da Missa a Deus Pai e a fazer com ela o oferecimento de sua vida (PO 5).
Temos aqui o fundamento da
espiritualidade litúrgica e eucarística. A missa não é oferecimento de dons ou
atitudes pessoais, mas a oferta do sacrifício de Cristo na Cruz ao qual nós nos
associamos como, de forma tão bela, se expressa na III Oração Eucarística:
Olhai
com bondade a oferenda da vossa Igreja, reconhecei o sacrifício que nos
reconcilia convosco [...]. Que ele faça de nós uma oferenda perfeita para
alcançarmos a vida eterna.
XIII
As intercessões e comemoração dos
santos e santas constituem o sétimo
elemento da Oração Eucarística. Por elas "se exprime que a Eucaristia é
celebrada em comunhão com toda a Igreja, tanto celeste como terrestre, que a
oblação é feita por ela e por todos os seus membros vivos e defuntos"
(IGMR 79g).
Embora muito antigas, as
intercessões não fazem parte da estrutura primitiva da Oração Eucarística mas,
a ela se juntaram posteriormente (Cat. das Or. Euc., 2b). Têm, por isso, valor
secundário e seu posicionamento é variado (Carta Eucharistiae Participacionem
9). Na Oração Eucarística I elas aparecem antes e depois da narração da Ceia,
enquanto que nas demais vêm após o relato da instituição. "Na celebração
de algum rito sacramental, consecratório, ou de benção, dir-se-ão de harmonia
com a estrutura de cada Oração Eucarística, utilizando os formulários que vêm
no Missal ou nos outros livros litírgicos"(CB 156). Em nota, o Cerimonial
dos Bispos trás o seguinte esclarecimento: "As intercessões especiais no
Missal Romano são:1) Na Oração Eucarística I: a) No "Memento" dos
vivos: pelos padrinhos, celebração dos escrutínios e ao ministrar o batismo; b)
No "Aceitai benignamente": pelos que vão ser batizados, pelos
neófitos, pelos crismados, pelos diáconos, presbíteros e bispos ordenados,
pelos esposos, pelas virgens consagradas, pelos religiosos (as) professos, na
dedicação da igreja; 2) Nas outras Orações Eucarísticas: pelos defuntos, pelos neófitos, pelas virgens consagradas,
pelos religiosos (as) professos, na dedicação da igreja.
A primeira intercessão é pela
unidade da Igreja. Existe um vínculo muito estreito entre Eucaristia e unidade
da Igreja. Ao mesmo tempo que é expressão, a unidade da Igreja é fruto da
participação na Eucaristia. Daí a prioridade deste pedido. Aqui nosso coração
transcende os limites da Assembléia que celebra e vai até os irmãos de outras
Igrejas cristãs, desejando ardentemente o dia em que poderemos celebrar juntos
a divina Eucaristia. No momento,
infelizmente ainda não podemos fazer, pois "a comunhão eucarística e a
comunhão eclesial se interpenetram tão intimamente que se torna geralmente
impossível aos cristãos não católicos terem acesso a uma sem gozar da
outra"(SaC 56).
Em seguida se intercede pela Igreja
em toda a sua extensão e plenitude. Ninguém é esquecido, desde a sua mais alta
hierarquia até o mais humilde dos fiéis, inclusive aqueles que não são contados
oficialmente mais que de fato são, pois ",procuram a Deus de coração
sincero" (IV Or. Euc.). Aqui o nosso coração se alarga mais ainda e chega
até os irmãos das muitas religiões não cristãs, os que Rahner cunhou de
"cristãos anônimos".
Com este olhar bem largo, se pede para que "à luz
da fé saibamos reconhecer os sinais dos tempos, empenhando-nos de verdade no
serviço do Evangelho e também para que possamos partilhar as dores e as
angústias, as alegrias e as esperanças de todos (Div. Circuns. III); para que
de olhos abertos às necessidades e aos sofrimentos dos irmãos e irmãs sejamos testemunhas
da verdade e da liberdade, da justiça e da paz(Div. Circuns. IV);
Santos e defuntos também são Igreja.
Entre eles e nós se dá o que chamamos de comunhão dos santos. Sabedora desta
comunhão a Igreja recorda os defuntos e por eles oferece sufrágios. Para os que
perguntavam a respeito desta prática, já no século IV respondia São Cirilo de
Jerusalém:
Sei
que muitos dizem: "Que aproveita à alma que parte deste mundo com faltas
ou sem elas, ser eventualmente mencionada na oferenda eucarística"? Vejamos:
se acaso um rei banir os que se revoltaram contra ele e, em seguida, os seus
companheiros, tecendo uma coroa, a oferecerem ao rei em favor dos condenados,
não é verdade que lhes concederá o perdão do castigo? Do mesmo modo também nós,
oferecendo orações a Deus pelos defuntos, mesmo pecadores, não lhe tecemos uma
coroa, mas oferecemos-lhe Cristo imolado pelos nossos pecados, procurando
conciliar a clemência de Deus em nosso favor e em favor deles.
Com a comemoração dos santos e
santas recordamos aqueles que já alcançaram o que nós, em nossa peregrinação
terrestre, ainda continuamos esperando e pedindo: participar com os homens e as
mulheres de todas as classes e nações, de todas as raças e línguas, da ceia da
comunhão eterna (Reconc. II).
XIV
A Oração eucarística termina com uma
fórmula de louvor, chamada doxologia
final, à qual todo o povo responde com a aclamação: Amém (Cat. das Or. Euc. 2,5). É proferida apenas pelo presidente da
celebração, ou por todos os concelebrantes juntamente com o presidente (CB
158). Embora a Instrução Inter Oecumenici oriente que seja cantada (IO 48 f ), alguns liturgistas
pensam o contrário. Segundo eles, seria uma forma de privilegiá-la, além de
induzir ao erro de se pensar que não faz parte da Oração eucarística Enquanto
canta ou profere a doxologia, o sacerdote ergue o cálice e a patena (MR 100).
Nas missas com a presença do diácono, o sacerdote eleva a patena com a hóstia,
enquanto o diácono eleva o cálice com o vinho (IGMR 180). Na Igreja primitiva,
era a única elevação que se realizava na missa. Com o tempo, foi diminuindo de
importância, por causa da elevação, após as palavras da instituição,
introduzida na Idade Média. A reforma do Concílio Vaticano II, a trouxe de
volta. Por isso deve ser feita com solenidade e sem nenhum apressamento.
Pela doxologia final, no dizer do Papa João Paulo II,
consciente de que todas as coisas foram criadas por meio de Cristo (Cl 1,16; Jo
1,3) e por ele reconciliadas, a comunidade cristã é convidada a dar graças e a glorificar a Deus "por
Cristo, com Cristo, e em Cristo, na unidade do Espírito Santo" (DD 42).
A doxologia termina com o Amém do povo. É o Amém mais
importante da missa (ID 4). Através dele a assembléia ratifica toda a Oração
eucarística formulada em nome da Igreja
pelo sacerdote (Carta Eucharistiae Participationem 11).
Este Amém é
muito antigo. O que a seu respeito ensinam hoje os documentos da Igreja já fora
dito por Santo Agostinho que foi bispo no norte da África, durante o século V. Para ele, dizer Amém era como subscrever um documento,
ou seja, conferir validade ao ato que acabava de ser feito pelo presidente da
celebração (Sermões 6; 27 e 272). Só se assina um documento depois de conhecer
seu conteúdo. Da mesma forma, só se diz Amém
quando se conhece o seu sentido e significado. Daí a necessidade da
catequese litúrgica "para que o povo diga Amém ao que entende perfeitamente" (A Inst. dos Catecúmenos,
1,9,13).
Segundo Eusébío de Cesarea, primeiro historiador da
Igreja, pronunciar o Amém durante a celebração era um dos
critérios para se saber se alguém era ou não verdadeiro cristão (Hist. Ecl.
7,9,4). O povo, por sua vez, proferia o Amém
com muito vigor. Segundo o monge São Jerônimo, contemporâneo de Santo
Agostinho, em Roma, ele ribombava como trovão (Com. à Carta aos Gálatas, 2,3).
Na tentativa de resgatar este espírito testemunhado
por São Jerônimo, as normas litúgicas pedem que o Amém seja valorizada com o canto (ID 4). Sendo uma palavra de
apenas duas sílabas não contém material e tempo suficiente para expressar a
importância que tem. Para superar esta dificuldade os músicos sugerem que seja
repetido mais vezes para que, musicalmente, de fato "aconteça".
XV
O Rito de Comunhão constitui a última parte da liturgia eucarística.
Corresponde ao gesto de partir o pão e de distribuí-lo aos discípulos, feito
por Jesus na última Ceia. Conforme o testemunho de São Justino que morreu no
ano 150 a
Comunhão acontecia imediatamente após o Amém
que concluía a Oração Eucarística.
Depois
de terminada, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e água, e o presidente,
conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças
e todo o povo exclama: "Amém". Vem depois a distribuição e
participação feita a cada um dos alimentos consagrados pela ação de graças e
seu envio aos ausentes pelos diáconos (Apologia I, 67).
Com o tempo o Rito
de Comunhão foi sendo acrescido de orações e gestos simbólicos. Hoje,
compõe-se de três momentos: ritos de preparação (Pai-nosso, antecipado por uma
monição e seguido de um embolismo, oração e abraço da paz, e fração do pão,
acompanhado do canto "Cordeiro de Deus); ritos de realização (oração em
silêncio feita pelo presidente, elevação da hóstia sobre a patena acompanhada
de uma monição evangélica, ato de comer o pão e beber do cálice, e procissão
acompanhada do canto de comunhão); ritos de conclusão (momento de silêncio, ou
recitação de um salmo, ou um canto de louvor, e oração de pós comunhão).
No século IV, com toda certeza, o Pai-nosso já fazia
parte do Rito de Comunhão. São muitos
os testemunhos sobre este tema.
Depois disso,
(da Oração eucarística) tu dizes aquela oração que o Salvador
transmitiu aos discípulos (Cirilo de Jerusalém, Catequeses Mist. V,11)
Logo, pois,
que se terminou a santificação, rezamos a Oração do Senhor (S. Agostinho, Sermão 227).
A inserção do Pai-nosso entre as
orações de preparação à comunhão fundamenta-se provavelmente na relação que,
desde os tempos de Tertuliano e de S. Cipriano, se viu entre o pão cotidiano
que se pede no Pai-nosso e o pão da Eucaristia.
Na
verdade, devemos entender, antes, em sentido espiritual o pedido: "Daí-nos
hoje o nosso pão cotidiano". O Cristo, com efeito, é nosso pão, porque o
Cristo é vida, e o pão também é vida. Aliás, ele disse: "Eu sou o pão da
vida" (Jo 6,35), e um pouco
antes: O pão é a Palavra do Deus vivo, que desceu do céu (cf. Jo 6,32). Ademais, como ele disse""Isto é o
meu corpo" (Lc 22,19), cremos
que o seu corpo está presente no pão. Assim pedindo pão cotidiano, rogamos a
Deus viver sempre em Cristo e inseparáveis do seu corpo (Tertuliano, A
Oração, 6,2).
Prosseguindo
a oração dizemos '"O pão nosso de cada dia nos daí hoje". Podemos
tomar este pedido tanto no sentido espiritual como no literal, pois um e outro
modo de entender aproveitam, com utilidade divina, para a nossa salvação. Pois
o Cristo é o pão da vida, e este pão não é de todos mas nosso. E assim como
dissemos: "Pai-nosso, porque é Pai dos que entendem e crêem, dizemos
também: "pão nosso", porque é pão para aqueles que comem o seu Corpo.
E pedimos que este pão nos seja dado diariamente a fim de que nós que estamos
no Cristo e recebemos diariamente a Eucaristia como alimento de salvação, não
venhamos a ser separados do Corpo do Cristo (S. Cipriano, A Oração do
Senhor, 18).
XVI
Outro motivo pelo qual o Pai-nosso encontra-se entre
as orações de preparação à comunhão é, sem dúvida, a invocação: “Perdoai-nos as
nossas ofensas...”. Neste sentido escreve S. Agostinho: Por que motivo a dizemos antes de receber o Corpo e o Sangue de Cristo?
Porque assim o pede a fragilidade humana: a nossa mente pode ter concebido o
que não devia, a língua pode ter dito o que não convinha, os olhos podem ter-se
fixado onde não queriam...; se por acaso contraímos outras manchas, fruto da
tentação desde mundo e da fragilidade da vida humana, limpamo-las com a Oração
dominical, ao dizermos: Perdoai-nos as nossas ofensas. Deste modo
aproximamo-nos com a esperança de que não comemos nem bebemos para nossa
condenação aquilo que recebemos (Sermão 229,3 = Denis 6). Num outro sermão
S. Agostinho afirma que ao recitar o Pai-nosso, nós nos lavamos o rosto antes
de comungar e receber o Corpo e o Sangue de Cristo (Sermão 17,5). Por isso, em
Hipona, sacerdotes e fiéis, ao pronunciar a invocação do perdão, se batiam no
peito (Sermão 351,3.6). O mesmo
ensinamento é também expresso por S. João Crisóstomo: Reconciliemo-nos mutuamente e façamos desaparecer a inimizade que
existe entre nós[...]. Se fizermos isto, poderemos aproximar-nos de coração
limpo desta mesa santa e venerável e dizer com toda confiança as palavras da
Oração (Hom. sobre o Gênesis 27,9). Tenha-se em conta que na Igreja
primitiva, até o século VI, eram submetidos ao sacramento da penitência, apenas
os pecados de assassinato, apostasia e adultério. Os demais pecados eram
absolvidos por outros gestos e orações, inclusive pelo Pai-nosso. Esta
interpretação é também retomada pela Instrução Geral do Missal Romano com estas
palavras: Na Oração do Senhor pede-se o
pão de cada dia, que lembra para os cristãos antes de tudo o pão eucarístico, e
pede-se a purificação dos pecados, a fim de que as coisas santas sejam
verdadeiramente dadas aos santos (IGMR 81).
O Pai-nosso pode ser rezado em voz alta ou cantado
(IGMR 81). Se for cantado, recomenda-se que seja por todos ou pela maioria.
Embora o canto seja muito apto para expressar a solidariedade cristã e a
comunhão entre irmãos, a recitação pode suscitar uma participação mais intensa
de toda a assembléia, até mesmo dos afônicos e desafinados, bem como dos que
estão de passagem e não conhecem a melodia do canto.
Os bispos do Brasil lembram que “ por ser a Oração que o Senhor nos ensinou, não
deve ser nunca substituída por outros cantos” (Doc 43, 310).
“O sacerdote profere o convite e todos os fiéis
recitam a oração com o sacerdote” (IGMR 81), inclusive as duas primeiras
palavras: “Pai nosso”. Infelizmente, na maioria das vezes, o padre faz a
monição e imediatamente encadeia a oração, sem dar à assembléia a possibilidade
de recitá-la desde o início.
As rubricas não prevêem nenhum gesto para a
assembléia, mas também não proíbem. O sacerdote, por isso, pode ter a liberdade
de sugerir. Por exemplo: mãos erguidas para o céu para expressar nossa atitude
filial para com Deus, nosso Pai; ou mãos dadas para expressar nossa
solidariedade para com os irmãos e irmãs.
O missal apresenta cinco fórmulas de monição para o
Pai-nosso. Todas muito ricas de significado. Além disso, é permitido ao
sacerdote formular outras com suas próprias palavras. Pode por exemplo
relacionar este momento com a liturgia da Palavra, especialmente com o
Evangelho do dia. Deve cuidar, no entanto, para ser breve (IGMR 31).
XVII
O Rito da Paz constitui o segundo
momento de preparação à Comunhão, tanto na missa, quanto na celebração
dominical da Palavra (DCDAP 48). Por
meio dele “a Igreja implora a paz e a unidade para si mesma e para toda a
família humana e os fiéis exprimem entre si a comunhão eclesial e a mútua
caridade, antes de comungar do Sacramento” (IGMR 82). Segundo João Paulo II, “é
um gesto particularmente expressivo, que os fiéis são chamados a realizar como
manifestação do consenso que o povo de Deus presta a tudo o que se realizou na
celebração, e do empenho de amor recíproco que se assume ao participar do único
pão” (DD 44). No Brasil, “nossas comunidades, de forma muito espontânea,
acolheram e perceberam o rito de saudação da paz como momento de
confraternização alegre em Cristo. É momento privilegiado para realçar o
compromisso da comunicação da paz a todos indistintamente. Paz recebida como
dom” (AVLB 312)
O Rito da Paz consta de três
elementos:
- Oração do Presidente: “Senhor Jesus Cristo, dissestes aos vossos
Apóstolos: eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz....”. Esta oração foi
composta por volta do século XI. Era recitada apenas pelo presidente da
celebração, em voz baixa, como preparação pessoal à comunhão. Com a reforma do
Concílio Vaticano II, por desejo expresso do Papa Paulo VI, passou a ser uma
oração presidencial, dita em nome de toda a assembléia. Segundo P. Jounel, o
Papa quis dar-lhe um alcance ecumênico, por causa de sua conclusão: “não olheis
os nossos pecados, mas a fé que anima a vossa Igreja; dai-lhe, segundo o vosso
desejo, a paz e a unidade”.
- Saudação-anúncio de paz: “A paz do Senhor esteja sempre convosco”.
Trata-se, portanto, da paz que o Senhor nos concedeu como dom pascal (cf. Jo
20,21) e não de uma paz meramente humana, psicológica ou social, conquistada
através do nosso esforço. Só Cristo “é a nossa paz”. Foi ele quem de dois povos
fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava (cf. Ef 2,14). Este é o momento central do Rito da Paz. O
Missal prevê que seja cantado. Convém, por isso, que lhe seja dada a maior expressividade
possível.
- Abraço da paz: O convite é feito pelo diácono, ou na sua ausência,
pelo próprio presidente da celebração ou por um dos concelebrantes (IGMR239).
Na verdade é mais do que um convite. É uma ordem: “Irmãos e irmãs, saudai-vos
em Cristo”. Trata-se, portanto, de um gesto eficaz, performativo e não apenas
manifestativo. O modo de realizar deve ser estabelecido pelas Conferências
Episcopais, atendendo à índole e os costumes dos povos. Pede-se, porém, que
seja de forma sóbria e apenas aos que estão próximos (IGMR 82). Embora deva ser
feito com alegria e sorriso nos lábio, com certeza, não é um momento de
“recreio”. A CNBB decidiu que fosse feito por cumprimento entre as pessoas do
modo como elas se cumprimentam em qualquer lugar público. Não existe uma
fórmula de saudação. O Cerimonial dos Bispos sugere aquela clássica: A paz esteja contigo (CB103). Entre nós
introduziu-se o costume de acompanhar a saudação com um canto. Não é uma total
novidade, pois no rito mozárabe existe esta prática. No entanto, o canto, neste
momento, não é de todo conveniente, mormente se o texto, como soe acontecer,
não expressa o verdadeiro sentido do rito cristão. O abraço da paz não é
obrigatório. O Missal diz: “se for oportuno”. O Papa Paulo VI, no entanto,
teria desejado o contrário. Em suas observações às propostas da Comissão
responsável pela reforma do Missal, se perguntou: Tirar o “se for
oportuno?”. Sem dúvida, este é um gesto
de grande significado. Por isso, algumas Conferências Episcopais legislaram que
seja omitido apenas quando houver sérios inconvenientes.
XVIII
A fração do pão é terceiro rito de preparação à
Comunhão. Embora, ordinariamente não lhe sejam dadas a importância e a
relevância que merece, trata-se de um rito de profundo valor simbólico e
sacramental, ou seja, trata-se de uma das ações que constituem o núcleo
sacramental da Eucaristia. Foi o gesto feito por Cristo na Última Ceia (Mt
26,26-28; Mc 14,22-24; Lc 22,19-20; 1Co 11,23-25), foi também o gesto com que
os discípulos de Emaús reconheceram o Ressuscitado (Lc 24,30.35). Nos tempos
apostólicos, a expressão “fração do pão” foi usada para significar toda a
celebração eucarística (At 2,42.46; 20,7.11; 1Co 10,16). Por causa de sua
importância, deve ser realizado pelo presidente da celebração, ajudado, se for
caso, pelo diácono ou por um dos concelebrantes (IGMR 83).
A fração do pão tem sua origem na liturgia judaica,
especialmente na ceia pascal, onde o pai de família pronunciava uma bênção,
partia o pão e o distribuía entre os seus convivas. Como já vimos Jesus
praticou o mesmo gesto na Última Ceia e os discípulos, atendendo sua ordem,
continuaram a fazê-lo em sua memória.
Nos primeiros séculos acontecia imediatamente após a
Oração Eucarística, conforme a seqüência dos atos realizados por Jesus que
tomou o pão e, depois dar graças o partiu.
Sabe-se que até o século VII continuava sendo um rito
muito solene, acompanhado por todos os participantes com um canto, o “Cordeiro
de Deus”. A partir do século XII, com a introdução das hóstias pequenas para os
fiéis, a pouca participação do povo na comunhão e a prática de comungar fora da
missa, a fração do pão foi perdendo sua importância e se degradando num
conjunto de meras cerimônias, ou em vazias exortações como a que o bispo fazia
ao neo-presbítero no dia de sua ordenação: Antes
de celebrar a Eucaristia deves aprender diligentemente de outros sacerdotes
doutos o conjunto dos ritos da missa, a maneira de consagrar e o modo de fazer
a fração do pão...
A reforma
litúrgica prescrita pelo Concílio Vaticano II, em suas orientações, voltou a
dar-lhe grande importância. Na prática, porém, o rito continua sem força
simbólica e sem chamar atenção da maioria dos fiéis.
Sem excluir as hóstias pequenas, quando o número de
comungantes ou outras razões pastorais exigirem, o Missal pede que a matéria da
celebração eucarística se pareça realmente um alimento. Em outras palavras, que
seja pão também na aparência. A distinção entre hóstia grande para o padre e
hóstias pequenas para o povo sugere dois tipos de comunhão: uma importante, a
do padre que não pode faltar e outra menos importante, a do povo que não faria
falta se, por acaso, não fosse feita. A força e a importância do sinal exigem
inclusive a abolição da patena pequena. Todas as hóstias devem ser colocadas
numa única bandeja O pão deve ser de fato partido em diversas partes e
distribuído ao menos a alguns dos fiéis. Trata-se de partir para repartir.
Fica, por isso, abolido o costume de somente o presidente comungar da hóstia
grande. Alguns sacerdotes, ao apresentar a hóstia ao povo, unem de novo as duas
metades. Esta prática faz da fração do pão uma mera cerimônia. Fica também
abolida a prática de distribuir a comunhão com hóstias já consagradas.
Inicia-se a fração do pão depois do abraço da paz, durante o canto do Cordeiro
de Deus. “Na estrutura da Ceia, é aqui o lugar próprio da fração como gesto
ritual de fazer o que Cristo fez e não durante a Narrativa da Instituição”
(AVLB 315).
Todas esta orientações encontram-se na Instrução Geral do Missal Romano que
pelo menos em três momentos faz questão de explicitar o significado do rito:
Pela fração
do pão e pela comunhão, os fiéis, embora muitos, recebem o corpo e o sangue do
Senhor de um só pão e de um só cálice, do mesmo modo como os apóstolos, das
mãos do próprio Cristo (IGMR 72)
O gesto da
fração[...] significa que muitos fiéis, pela comunhão no único pão da vida, que
é o Cristo, morto e ressuscitado pela salvação do mundo, formam um só corpo
(1Co 10,17) (IGMR 83).
O gesto,
porém, da fração do pão, [...], manifestará mais claramente o valor e a
importância do sinal da unidade de todos em um só pão e da caridade fraterna,
pelo fato de um único pão ser repartido entre os irmãos (IGMR 321).
XIX
Durante a fração do pão, como já foi dito, a
assembléia canta o Cordeiro de Deus,
prece de origem bíblica dirigida a Cristo, Cordeiro pascal que se imola pelos
seus e tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29.36; 1Co 5,7; 1Pd 1,18-19; Apc
5,6.12; 19,9).
Seu objetivo é acompanhar o gesto da fração do pão.
Por isso pode ser repetido enquanto durar o rito. “A última vez conclui-se com
as palavras: Dai-nos a paz” (IGMR
83). É um canto em forma de ladainha. Deve ser entoado por um solista ou grupo
de cantores e respondido pela assembléia. O que preside está autorizado a
recitá-lo somente nas missas sem participação do povo (IGMR 267). Não pode ser
substituído por outro canto (IGMR 366), exceto nas missas com crianças onde é
permitido usar traduções populares, mesmo que não estejam de acordo com o texto
oficial (DMC 31).
Não se sabe quando o Cordeiro de Deus passou a integrar a celebração eucarística. O
primeiro documento a respeito é uma determinação do Papa Sérgio I, cujo
pontificado durou de 687 a
701. Naquela época a fração do pão era um rito solene e prolongado. A
assembléia participava da comunhão em grande número. O pão não era ázimo nem
estilizado como hoje. Vários ministros eram envolvidos no rito. Não convinha
por isso que o povo ficasse em silêncio, como simples expectador.
No século IX, Floro de Lião, em sua obra De expositione missae faz o seguinte
comentário: ”Entre estas coisas todos cantam e cantando rezam dizendo: Cordeiro
de Deus tirais o pecado do mundo...Quando derramou por nós o seu sangue na
cruz, ou quando cada um de nós foi lavado no mistério de sua paixão pelo batismo
de água, então verdadeiramente, foram tirados os pecados do mundo, e continua a
lavar-nos dos nossos pecados cotidianos no seu sangue, quando, no altar,
fazemos memória da sua santíssima Paixão”.
A partir do século X, o povo já não comunga mais em
todas as missas. Aliás, deixa de comungar. Desde então não havia necessidade de
partir o pão e conseqüentemente o rito perdeu sua importância. Converteu-se em
mera cerimônia. O Cordeiro de Deus passa
por isso a ser recitado somente pelo sacerdote, como se fosse uma espécie de
ato de contrição feito antes da comunhão.
O Concílio Vaticano II reconhece que, com o decorrer
do tempo, alguns ritos foram adulterados por outros que não correspondem à
natureza íntima da Liturgia, e determina que sejam restaurados (SC 21). À luz
desta orientação, o Missal Romano retorna ao sentido original do Cordeiro de Deus estabelecendo que seja
cantado pelo povo durante a fração do pão. Para deixar bem clara esta
orientação o Missal Romano lembra também que a matéria da celebração
eucarística deve parecer realmente um alimento e que, na missa com o povo, o
sacerdote possa de fato partir a hóstia em diversas partes e distribuí-las ao
menos a alguns dos fiéis. Orienta ainda que as hóstias pequenas somente sejam
usadas se o exigirem o número de fiéis e outras razões pastorais (IGMR 321).
Infelizmente esta orientação ainda na foi “recebida”.
Talvez por causa do tipo de pão, talvez por causa do hábito, talvez ainda, por
falta de formação, o rito da fração do pão continua sem expressão e o canto do Cordeiro de Deus continua sendo omitido ou substituído por outro que
nada tem a ver com o rito.
XX
A celebração eucarística atinge seu ponto mais alto no
momento da distribuição e recepção das sagradas espécies do pão e do vinho, o
Corpo e o Sangue de Cristo. Por este gesto se concretiza o mandamento do
Senhor: “Tomai e comei isto é o meu Corpo que será entregue por vós”, “Tomai e
bebei isto é o cálice do meu Sangue...que será derramado por vós...”. Comendo
do pão e bebendo do cálice anunciamos a morte do Senhor e proclamamos sua
ressurreição (aclamação anamnética, cf. 1Co 11,26). Segundo, bons exegetas,
anunciar a morte e proclamar a ressurreição do Senhor, não significa uma
simples recordação psicológica, mas uma volta real, embora mística àqueles
acontecimentos.
Celebrando a
eucaristia, recebendo a comunhão, todo o domingo ou todo o dia vamos ao
Calvário e ao sepulcro vazio: não vamos fisicamente, mas no memorial, mediante a retomada ritual do signo
profético do pão e do cálice, por meio de uma ação prefigurativa e, portanto,
sacramental e, por isso, absolutamente real (C. Giraudo).
Para expressar realidade tão
profunda, a liturgia romana reservou algumas orações e alguns ritos muito
simples.
a) Oração em silêncio: “O sacerdote prepara-se por uma oração em silêncio para receber
frutuosamente o corpo e o sangue de Cristo. Os fiéis fazem o mesmo, rezando em
silêncio” (IGMR 84).
Para o sacerdote o Missal Romano apresenta duas
opções. São orações com forte tom penitencial, resquício dos tempos medievais.
Para os fiéis não foi previsto nenhum formulário. Eles podem ficar simplesmente
em silêncio, o que é preferível, tendo em conta o caráter comunitário do
silêncio. Mas, podem também fazer alguma oração mental ou em voz baixa,
expressando seus sentimentos e sua fé.
b) Apresentação da hóstia sobre a patena ou sobre o
cálice: “A seguir, o sacerdote mostra
aos fiéis o pão eucarístico sobre a patena ou sobre o cálice e convida-os ao
banquete de Cristo; e, unindo-se aos fiéis, faz um ato de humildade, usando as
palavras prescritas do Evangelho” (IGMR 84).
Alguns sacerdotes costumam dizer: “Felizes somos nós os convidados para a Ceia do
Senhor” (“para o Banquete nupcial do Cordeiro”, primeira opção alternativa).
Com todo o respeito à reta intenção, é preciso constatar que eles cometem um
grave erro. Empobrecem e reduzem o significado da fórmula proposta pelo Missal
que tem perspectiva universalista e includente. O contexto do Apocalipse (19,9)
e do Evangelho de Lucas (14,15-24) que inspiram a fórmula refere-se a uma
grande multidão, especialmente de pobres, aleijados, cegos e coxos, já que os
primeiros convidados tinham rejeitado o convite para sentarem-se à mesa do
Reino.
A edição brasileira apresenta mais quatro fórmulas,
todas muito profundas e inspiradas em textos bíblicos.
1) Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas
trevas, mas terá a luz da vida.
2) Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece
em mim e eu nele.
3) Provai e vede como o Senhor é bom; feliz de quem
nele encontra seu refúgio
4) Eu sou o Pão vivo, que desceu do céu: se alguém
come deste Pão viverá eternamente.
Embora estas fórmulas não sejam antecipadas pela
expressão: “Pode-se usar estas palavras ou outras semelhantes”, nada impede que
o sacerdote retomando uma antiga tradição romana que relaciona a Palavra
proclamada e a sua interiorização plena no banquete eucarístico, crie outras
fórmulas calcadas no Evangelho do dia. Por exemplo: no Quinto Domingo da Páscoa
seria razoável escutar o seguinte convite: “Eu sou o caminho a verdade e a
vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Ano A). “Eu sou a videira, vos os
ramos. Quem permanece em mim eu nele, produz muito fruto” (Ano B). “Amai-vos
uns aos outros como eu vos amei” (Ano C).
Aqui se deve ter muito cuidado para não transformar a
fórmula ritual em discurso exortatório.
XXI
Como
a procissão de entrada e a procissão das oferendas, a procissão de comunhão
também termina com a oração do presidente que, em nome da assembléia, implora
os frutos do mistério celebrado (cf. IGMR 89). O povo faz sua esta oração por
meio da aclamação: Amém.
Deste o século IV existem
testemunhos a respeito da oração depois da comunhão. Por ser uma oração
presidencial, deve ser proferida em voz alta e clara a fim de ser escutada por
todos com atenção. Por isso, enquanto está sendo proferida, não pode haver
canto, nem toque de instrumento musical (IGMR 32). Nas missas presididas pelo
bispo, mesmo que não celebre a Eucaristia, é ele quem profere esta oração, no
altar ou na cátedra (CB 184).
São muitos os frutos da eucaristia,
por isso, os pedidos na oração depois da comunhão são inúmeros, quase sempre
relacionados com a festa ou mistério celebrado naquele dia. A título de
exemplo, vamos citar apenas uma de cada tempo litúrgico.
Aproveite-nos, ó Deus, a
participação nos vossos mistérios. Fazei que eles nos ajudem a amar desde agora
o que é do céu e, caminhando entre as coisas que passam, abraçar as que não
passam (1º Dom. do Advento).
Como se pode ver, o fruto solicitado
aqui é participar do banquete celeste que o Senhor tem preparado para nós. Em
vista deste banquete não tem sentido o apego exagerado às coisas da terra.
Concedei, ó Deus todo poderoso, que
sejamos sempre contados entre os membros de Cristo cujo Corpo e Sangue
comungamos (5º Dom. da Quaresma)
Para nós cristãos não basta sermos
seguidores de Jesus, nem sermos apenas revestidos de Cristo. O que interessa
mesmo é ser membro, viver a mesma vida de Cristo; já não mais nós vivermos, mas
Cristo viver em nós (cf. Gl 2,20).
Ó Deus de bondade, permanecei junto
ao vosso povo e fazei passar da antiga à nova vida aqueles a quem concedestes a
comunhão nos vossos mistérios (5º Dom. da Páscoa).
Passar da antiga à nova vida, ou
seja, da condição de pecado à vida nova da graça é o que se pede nesta oração.
O perdão dos pecados é, sem dúvida, um dos frutos da Eucaristia, aqui dito de
forma indireta, mas, muito direta em outras orações de pós comunhão, como por
exemplo, no 3º domingo do advento: imploramos, ó Pai, vossa clemência para que
estes sacramentos nos purifiquem dos pecados e nos preparem para as festas que
se aproximam.
“Tende os mesmos sentimentos de
Cristo” pedia S. Paulo aos filipenses. Ele mesmo dizia de si: “já não sou eu
que vivo é Cristo que vive em mim”. Identificar-se com Cristo é com certeza
fruto da Eucaristia expresso nesta oração do 27º Domingo do tempo comum:
Possamos, ó Deus onipotente, saciar-nos do pão celeste e inebriar-nos do vinho
sagrado, para que sejamos transformados naquele que agora recebemos.