Departamento Das Celebrações Litúrgicas Do
Sumo Pontífice
1.
Breve revisão histórica
As roupas utilizadas pelos ministros
sagrados nas celebrações litúrgicas são derivadas das vestimentas gregas e
romanas. Nos primeiros séculos, a forma de vestir das pessoas de uma
determinada classe social (os honestiores) foi também adotada para o culto cristão,
e esta prática foi mantida na Igreja, mesmo após a paz de Constantino. Como
contado por alguns escritores eclesiásticos, os ministros sagrados usavam suas
melhores roupas, provavelmente reservadas para a ocasião [1].
Enquanto que na antiguidade cristã as
vestimentas litúrgicas diferiam das de uso cotidiano não pela forma particular,
mas apenas pela qualidade dos tecidos e decoração particular, no curso das
invasões bárbaras, os costumes, e com eles também a forma de vestir dos novos
povos, foram introduzidos no Ocidente, levando a mudanças na moda profana. A
Igreja, ao contrário, manteve essencialmente inalteradas as roupas usadas pelos
sacerdotes nos cultos públicos; foi assim que as vestimentas de uso cotidiano
acabaram por se diferenciar das de uso litúrgico. Na época carolíngia,
finalmente, os paramentos próprios de cada grau do sacramento da ordem foram
definitivamente definidos, assumindo a aparência que conhecemos hoje.
2.
Função e significado espiritual
Além das circunstâncias históricas, os
paramentos sacros têm uma função importante nas celebrações litúrgicas:
primeiramente, o fato deles não serem usados no cotidiano, tendo assim um
caráter cultual, ajuda-nos a romper com o cotidiano e suas preocupações, no
momento da celebração do culto divino. Além disso, as formas largas das
vestimentas, como por exemplo da casula, põem em segundo plano a
individualidade de quem as veste, enfatizando seu papel litúrgico. Pode-se
dizer que a “ocultação” do corpo do ministro sob as vestes, em certo sentido,
despersonaliza-o, removendo o ministro celebrante do centro, para revelar o
verdadeiro Protagonista da ação litúrgica: Cristo. A forma das vestes,
portanto, lembra-nos que a liturgia é celebrada in persona Christi, e não em
próprio nome.
Aquele que exerce uma função de culto
não atua como indivíduo por si mesmo, mas como ministro da Igreja e como
instrumento nas mãos de Jesus Cristo. O caráter sagrado dos paramentos provém
também do fato de que são vestidos conforme prescreve o Ritual Romano.
Na forma extraordinária do Rito Romano
(de São Pio V), a vestidura dos paramentos litúrgicos é acompanhada por orações
relativas a cada veste, orações cujo texto ainda pode ser encontrado em muitas
sacristias. Ainda que estas orações não sejam mais prescritas (mas nem tampouco
proibidas) da forma ordinária do Missal emitido por Paulo VI, seu uso é
aconselhável, uma vez que ajudam nas preparações e no recolhimento do sacerdote
antes da celebração do Sacrifício Eucarístico.
Para confirmar a utilidade destas
orações, note-se que elas foram incluídas no Compendium Eucharisticum,
recentemente publicado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos
Sacramentos [2]. Além disso, pode ser útil lembrar que Pio XII, por decreto de
14 de janeiro de 1940, concedeu uma indulgência de cem dias para cada oração.
3.
As vestimentas litúrgicas individuais e as orações que acompanham sua vestidura
1) No início da preparação, o sacerdote
lava as mãos, recitando uma oração especial; além da questão de higiene, este
ato tem também um significado simbólico profundo, representando a passagem do
profano ao sagrado, do mundo do pecado para o puro Santuário do Altíssimo.
Lavar as mãos equivale, de certa forma, a retirar as sandálias diante da sarça
ardente (Êxodo 3:5). A oração se refere a esta dimensão espiritual:
Da, Domine, virtutem manibus meis ad
abstergendam omnem maculam; ut sine pollutione mentis et corporis valeam tibi
servire.
(Dai às minhas mãos, Senhor, o poder de
apagar toda mácula: para que eu vos possa servir sem mácula do corpo e da alma)
- (Da’, o Signore, alle mie mani la virtù che ne cancelli ogni macchia: perché
io ti possa servire senza macchia dell’anima e del corpo) [3].
À lavagem das mãos se segue a vestidura
propriamente dita.
2) Inicia-se com o amito, um pano
retangular de linho dotado de duas fitas, que repousa sobre os ombros junto ao
pescoço. O amito destina-se a cobrir, ao redor do pescoço, a vestimenta
utilizada diariamente, ainda que se trate do hábito do sacerdote. Nesse
sentido, é preciso lembrar que o amito também é usado quando se está vestido
com roupas de estilo moderno, que muitas vezes não apresentam uma grande
abertura em torno do pescoço. De qualquer forma, portanto, as roupas comuns
permanecem visíveis e por isso é preciso cobri-las também, nestes casos, com o
amito [4].
No Rito Romano, o amito é vestido antes
da alva (túnica). Ao vesti-lo, o sacerdote recita a seguinte oração:
Impone, Domine, capiti meo galeam
salutis, ad expugnandos diabolicos incursus.
(Colocai, Senhor, na minha cabeça o elmo
da salvação para que possa repelir os golpes de Satanás) - (Imponi, Signore,
sul mio capo l’elmo della salvezza, per sconfiggere gli assalti diabolici).
Com referência à carta de São Paulo aos
Efésios 6.17, o amito é interpretado como "o elmo da salvação”, que deve
proteger o portador das tentações do demônio, em especial de pensamentos e
desejos malévolos durante a celebração litúrgica. Este simbolismo é ainda mais
evidente no costume seguido desde a Idade Média pelos monges beneditinos,
franciscanos e dominicanos, entre os quais o amito era posicionado sobre a
cabeça e deixado recair sobre a casula ou a dalmática.
3) A alva consiste na veste longa e
branca utilizada por todos os ministros sagrados, e que representa a nova veste
imaculada que todo cristão recebe mediante o batismo. A alva é portanto um
símbolo da graça santificante recebida no primeiro sacramento, e é considerada
também um símbolo da pureza de coração necessária para o ingresso na graça
eterna da contemplação de Deus no céu (cf. Mateus 5:8). Isso é expresso na
oração recitada pelo sacerdote enquanto veste a peça, oração que se refere ao
Apocalipse 7,14:
Dealba me, Domine, et munda cor meum;
ut, in sanguine Agni dealbatus, gaudiis perfruar sempiternis.
(Revesti-me, Senhor, com a túnica de
pureza, e limpai o meu coração, para que, banhado no Sangue do Cordeiro, mereça
gozar das alegrias eternas) - (Purificami, Signore, e monda il mio cuore,
perché purificato nel Sangue dell’Agnello, io goda degli eterni gaudi).
4) Sobre as vestes, na altura da
cintura, é colocado o cíngulo, um cordão de lã ou outro material apropriado,
que é usado como cinto.
Todos os oficiantes que portam a alva
devem também portar o cíngulo (esta prática tradicional é hoje frequentemente
ignorada) [5].
Para diáconos, sacerdotes e bispos, o
cíngulo pode ser de cores diferentes, de acordo com o tempo litúrgico ou a
memória do dia. No simbolismo das vestes litúrgicas, o cíngulo representa a
virtude do auto-controle, que São Paulo enumera entre os frutos do Espírito
(cf. Gálatas 5:22). A oração correspondente, como na Primeira Carta de Pedro
1,13, diz:
Praecinge me, Domine, cingulo puritatis,
et exstingue in lumbis meis humorem libidinis; ut maneat in me virtus
continentiae et castitatis.
(Cingi-me, Senhor, com o cíngulo da
pureza, e extingui nos meus rins o fogo da paixão, para que resida em mim a
virtude da continência e da castidade) - (Cingimi, Signore, con il cingolo
della purezza e prosciuga nel mio corpo la linfa della dissolutezza, affinché
rimanga in me la virtù della continenza e della castità).
5) O manípulo é um paramento litúrgico
usado nas celebrações da Santa Missa segundo a forma extraordinária do Rito
Romano; caiu em desuso nos anos da reforma litúrgica, embora não tenha sido
abolido. É semelhante à estola, mas de menor comprimento, inferior a um metro,
e é fixado por meio de presilhas ou fitas como as da casula. Durante a Santa
Missa em sua forma extraordinária, o celebrante, o diácono e subdiácono o
portam sobre o antebraço esquerdo. É possível que este paramento derive de um
lenço (mappula) utilizado pelos romanos amarrado ao braço esquerdo. Uma vez que
era utilizado para enxugar as lágrimas e o suor da face, escritores
eclesiásticos medievais atribuíram ao manípulo um simbolismo associado às
fadigas do sacerdócio. Esta leitura também está presente na oração de sua
vestidura:
Merear, Domine, portare manipulum fletus
et doloris; ut cum exsultatione recipiam mercedem laboris.
(Fazei, Senhor, que mereça trazer o
manípulo do pranto e da dor, para que receba com alegria a recompensa do meu
trabalho) - (O Signore, che io meriti di portare il manipolo del pianto e del
dolore, affinché riceva con gioia il compenso del mio lavoro).
Como se vê, no início da oração
mencionam-se as lágrimas e a dor que acompanham o ministério sacerdotal, mas a
segunda parte do texto refere-se aos frutos do próprio trabalho. Não será fora
de propósito recordar a passagem de um salmo que pode ter inspirado esta
segunda simbologia referente ao manípulo, visto que a Vulgata assim apresentava
o Salmo 125,5-6: " Qui seminant in lacrimis inexultatione metent; euntes
ibant et flebant portantes semina sua, venientes autem venient inexultatione
portantes manipulos suos" (grifo nosso).
6) A estola é o elemento distintivo de
um ministro ordenado e é sempre usada na celebração dos sacramentos e
sacramentais. É uma faixa de tecido, em geral bordado, cuja cor varia de acordo
com o tempo litúrgico ou o dia santo. Ao vesti-la, o sacerdote recita a
seguinte oração:
Redde mihi, Domine, stolam
immortalitatis, quam perdidi in praevaricatione primi parentis; et, quamvis
indignus accedo ad tuum sacrum mysterium, merear tamen gaudium sempiternum.
(Restitui-me, Senhor, a estola da
imortalidade, que perdi na prevaricação do primeiro pai, e, ainda que não seja
digno de me abeirar dos Vossos sagrados mistérios, fazei que mereça alcançar as
alegrias eternas) - (Restituiscimi, o Signore, la stola dell’immortalità, che
persi a causa del peccato del primo padre; e per quanto accedo indegno al tuo
sacro mistero, che io raggiunga ugualmente la gioia senza fine).
Dado que a estola é um paramento de suma
importância, indicando mais do que qualquer outro a condição de ministro
ordenado, não se pode deixar de lamentar o abuso, já largamente difundido, por
parte de alguns sacerdotes, que não a usam em conjunto com a casula [6].
7) Finalmente, veste-se a casula ou
planeta, a vestimenta característica daqueles que celebram a Santa Missa. Os
livros litúrgicos usavam as duas palavras, em latim casula e planeta, como
sinônimos. Enquanto o nome planeta foi usado em particular em Roma e acabou por
permanecer na Itália, o nome casula deriva da forma típica da vestimenta, que
originalmente circundava todo o corpo do ministro sagrado que a portava. O uso
da palavra “casula” também é encontrado em outros idiomas: "Casulla”, em
espanhol, “Chasuble” em francês e em Inglês, "Kasel" em alemão.
Oração para vestidura da casula remete ao convite de Colossenses 3:14:
“Sobretudo, revesti-vos do amor, que une a todos na perfeição”. E, de fato, a
oração com a qual se veste a casula cita as palavras do Senhor contidas em
Mateus 11,30:
Domine, qui dixisti: Iugum meum suave
est, et onus meum leve: fac, ut istud portare sic valeam, quod consequar tuam
gratiam. Amen.
(Senhor, que dissestes: O meu jugo é
suave e o meu peso é leve, fazei que o suporte de maneira a alcançar a Vossa
graça. Amém) - (O Signore, che hai detto: Il mio gioco è soave e il mio carico
è leggero: fa’ che io possa portare questo [indumento sacerdotale] in modo da
conseguire la tua grazia. Amen).
Em conclusão, espera-se que a
redescoberta do simbolismo associado aos paramentos e suas orações incentive os
sacerdotes a retomar a prática da oração durante a vestição, de modo a se
preparar com o devido recolhimento à celebração litúrgica. Se é verdade que é
possível rezar com diferentes orações, ou ainda simplesmente elevando a mente a
Deus, por outro lado, os textos da oração de vestição trazem a brevidade, a
precisão de linguagem, a inspiração da espiritualidade bíblica e o fato de que
são rezados pelos séculos por um número incontável de ministros sagrados. Estas
orações são recomendadas ainda hoje, para a preparação da celebração litúrgica,
e também realizadas de acordo com a forma ordinária do Rito Romano.
Notas
[originais em italiano]
[1] Cf. ad esempio san Girolamo,
Adversus Pelagianos, I, 30.
[2] Edito dalla LEV, Città del Vaticano
2009, pp. 385-386.
[3] Riprendiamo il testo delle preghiere
dall’edizione del Missale Romanum emanato nel 1962 dal beato Giovanni XXIII,
Roman Catholics Books, Harrison (NY) 1996, p. lx. La traduzione in italiano
delle preghiere è nostra.
[4] La Institutio Generalis Missalis
Romani (2008) al n. 336 permette di non assumere l’amitto quando il camice è
confezionato in maniera tale da coprire completamente il collo, nascondendo la
vista dell’abito comune. Di fatto, però, avviene di rado che l’abito non sia
visibile, anche solo parzialmente; di qui la raccomandazione ad utilizzare
comunque l’amitto.
[5] Lo stesso n. 336 della Institutio
del 2008 prevede la possibilità di omettere il cingolo, se il camice è
confezionato in maniera tale da aderire al corpo senza di esso. Nonostante
questa concessione, bisogna riconoscere: a) il valore tradizionale e simbolico
dell’uso del cingolo; b) il fatto che difficilmente il camice – sia in foggia
più tradizionale, che soprattutto nei tagli più moderni – aderisce da sé al
corpo. Se la norma prevede la possibilità, essa dovrebbe però restare piuttosto
ipotetica in via di fatto: in concreto, il cingolo risulta sempre necessario. A
volte si trovano oggi dei camici che hanno il cingolo incorporato: una
fettuccia di stoffa unita al camice per mezzo di una cucitura all’altezza della
vita e che si annoda al momento della vestizione: in questi casi la preghiera
sul cingolo può essere recitata mentre si annoda. Resta però di gran lunga
preferibile la forma tradizionale.
[6] «Il Sacerdote che porta la casula
secondo le rubriche non tralasci di indossare la stola. Tutti gli Ordinari
provvedano che ogni uso contrario sia eliminato»: Congregazione per il Culto
Divino e la Disciplina dei Sacramenti, Redemptionis Sacramentum, 25 marzo 2004,
n. 123.