‘O Senhor, tende piedade’ sozinho não é Ato Penitencial - Gotas
de Liturgia
Alberto Bekeuser
A invocação Kyrie, eleison é de antiga tradição tanto na
Liturgia oriental como ocidental. Trata-se de um “canto em que os fiéis aclamam
o Senhor e imploram a sua misericórdia”. É uma doxologia, isto é, uma aclamação
do Deus misericordioso, que se manifesta no Cristo Senhor.
Na Missa, ele faz parte dos ritos iniciais que precedem a
Liturgia da Palavra, isto é, entrada, saudação, ato penitencial, Kyrie, Glória
e oração do dia, que têm caráter de exórdio, introdução e preparação.
Sua finalidade é fazer com que os fiéis, reunindo-se em
assembleia, constituam uma comunhão, se disponham para ouvir atentamente a
palavra de deus e celebrar dignamente a Eucaristia. Isso podemos apreender na Instrução Geral
sobre o Missal Romano n. 46 e 52.
O Senhor, tende piedade de nós constitui um dos elementos
dos Ritos iniciais. Depois do Ato penitencial que inclui a absolvição geral do
sacerdote, absolvição que, contudo, não possui a eficácia do sacramento da
penitência, inicia-se sempre o Senhor, tende piedade, a não ser que já tenha
sido rezado no próprio ato penitencial. Quando o Senhor é cantado como parte do
ato penitencial, antepõe-se a cada aclamação uma “invocação” chamada também
“tropo”. Por exemplo, Senhor, que viestes salvar os corações arrependidos, tende
piedade de nós.
Está muito difícil compreender este caráter não penitencial
mas doxológico do Senhor, piedade. Nossa espiritualidade tornou-se por demais
penitencialista. Devemos recordar que o Ato penitencial – e não rito
penitencial em celebração penitencial –
só entrou no Ordinário da Missa com o Concílio Vaticano II, pois antes se
tratava de uma preparação dos ministros, preparação que inicialmente era feita
na sacristia e mais tarde nas “orações ao pé do altar” num diálogo entre o
sacerdote celebrante e os ministros. Só com o movimento litúrgico é que a
assembleia começou a participar das orações ao pé do altar. A Missa começava
propriamente com a Antífona de entrada, o Introitus.
Outra coisa. A nossa tradução para o português não é muito
feliz. Os italianos traduziram simplesmente: Signore, pietà. Senhor, vós sois
piedade. Piedade são os sentimentos do pai para com os filhos, sentimento de
bondade, perdão, de misericórdia. Trata-se de um ato de reconhecimento de
Cristo como Senhor; como manifestação da bondade do Pai, de sua misericórdia.
Um ato de adoração, de louvor, de glorificação de Deus por sua bondade e
misericórdia; por isso, uma doxologia. É também uma profissão de fé no Cristo
Senhor.
Precisamos recuperar estas doxologias durante a Celebração
Eucarística. Elas constituem, em geral, como que portas de passagem, de átrios.
O Senhor, piedade constitui uma porta de entrada no espaço de Deus que fala e
age, primeiramente através da sua Palavra celebrada e depois através da
Liturgia eucarística. Outra doxologia importante é o Santo, como porta de
entrada no Santo dos Santos da presença de Deus na Oração eucarística.
Assim, quando a assembleia se propõe cantar o Senhor, tende
piedade de nós, deverá escolher como Ato penitencial a oração Confesso a Deus
ou os versículos bíblicos: Tende compaixão de nós Senhor. Porque somos
pecadores. Manifestai, Senhor, a vossa misericórdia. E dai-nos a vossa
salvação. Segue-se a absolvição geral e, em seguida, o Senhor, tende piedade de
nos.